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A FUNÇÃO DO EDUCADOR – CARTA AOS EDUCADORES

A função do educador - Carta aos educadores

A função do educador – escrita por Tião Rocha, esta é uma carta aos educadores de todo o Brasil. Tião é antropólogo, educador e folclorista. Idealizador e presidente do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento – CPCD. Essa carta fala sobre a arte da educação, sua essência e propósito, fazendo entender que educação é algo vivo e que só ocorre no plural.

CARTA AOS EDUCADORES – A FUNÇÃO DO EDUCADOR 

A função do educador - Carta aos educadores

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: -Me ajuda a olhar!

 

A este texto primoroso, o escritor uruguaio Eduardo Galeano denomina de “A função da arte/1”, publicado em seu “O Livro dos Abraços” (1989).

Poderia ser também, ao nosso ver, chamado de “A função do pai” ou “A função do educador”.

O educador não é aquele que ensina ao aluno como é o mundo, mas o que, junto com o aluno, leva-o a descobrir e a se apropriar do mundo que ele vê com os olhos, sente com o coração, deseja com a alma, constrói com a cabeça e as mãos, e sonha com os seus sonhos. Por isso, quando uma criança ou um aluno diz “me ajuda a olhar”, ela ou ele estão, não só reconhecendo a sua necessidade de ser ajudado a olhar e ver mais longe, mas, também homenageando seu educador, parceiro e amigo, reconhecendo nele o seu saber, sua coerência, sua amizade, sua parceria.

E se um educador escuta um “-me ajuda a olhar!”, seja através da fala, dos olhos, das mãos, do corpo, do sonho, do choro, da dor ou da alegria, ele deveria sempre responder com um “-me ensina o que você viu!” Pois só assim haverá uma verdadeira educação, isto é, uma relação plural e entre iguais, de cumplicidade, conluio, apaixonadamente verdadeira.

Esta é, segundo nosso entendimento e nossa prática, a única possibilidade de se construir uma relação efetiva entre professor-e-aluno. Educação é o outro nome que se dá a esta relação que só existe e teima em se realizar no plural. É impossível existir educação no singular. Nunca! Poderá haver outra coisa, instrução ou ensino, mas nunca educação.

E, se é alguma coisa plural, a função da família é ser, acima de tudo, assim como a escola também deve (e deveria) ser sempre, o “locus” privilegiado da prática educativa, onde pai-e-filho, assim como professor-e-aluno, sejam, ao mesmo tempo, sujeitos e objetos desta construção. Uma relação entre pessoas diferentes – adultos e crianças – mas uma “relação entre iguais”, respeitosa, solidária, afetuosa e enriquecedora para ambos.

– Isto é possível? Claro que é!

Mas para que esta educação se realize em toda sua plenitude, é necessário que o professor tome a iniciativa de levar o aluno a “descobrir o mar”, a superar, juntos, as “dunas altas” e as “alturas de areia”. Porque, ao fazer isto, o educador estará re-descobrindo o mar através do olhar do aluno. E este descobrir/redescobrir o mar juntos, significa reinventá-lo, reciclá-lo, reapropriá-lo, renascê-lo. E, acreditamos que todo dia é dia de passar este mundo a limpo para que todos nós sejamos, diuturnamente, educadores e educandos do mistério e da mágica que é o viver.

Por outro lado, o “me ajuda a olhar!” tem significado, a cada dia que passa, o nosso compromisso de não deixar que nossa geração de herdeiros – filhos/alunos – vagueie perdida, abandonada e vitimizada por um mundo cada vez menos seu. Este pedido, se pode ser um abraço, também tem sido um sinal de alerta, um aviso, um tapa na cara.

Voltemos  a Eduardo Galeano, agora em sua “Celebração das contradições/2”: 

“…Somos, enfim, o que fazemos para transformar o que somos. A identidade não é uma peça de museu, quietinha na vitrine, mas a sempre assombrosa síntese das contradições nossas de cada dia. Nessa fé, fugitiva, eu creio. Para mim, é a única fé digna de confiança, porque é parecida com o bicho humano, fodido mas sagrado, e à louca aventura de viver no mundo” (in “O Livro dos Abraços”).

Por isso temos que ser sempre educadores, sejamos pais, filhos, professores, alunos, porque “cada promessa é uma ameaça; cada perda, um encontro. Dos medos nascem as coragens; e das dúvidas, as certezas. Os sonhos anunciam outra realidade possível e os delírios, outra razão.” (in “O Livro dos Abraços”)

– Me ajuda a olhar!?

-Me ensina o que você viu!?

Sejam Educadores, sempre!

Tião Rocha

LEIA TAMBÉM: UM NOVO OLHAR

Que possamos nos inspirar no exemplo desse grande ser humano e em seu trabalho como educador, e que sua carta nos ajude na verdadeira compreensão da função do educador, e ecoe  no coração de todo aquele que tem a tarefa de educar, motivando ações transformadoras para a construção de uma sociedade mais justa, ética, e próspera.

Abraço carinhoso

Ana Lúcia Machado

ONDE INVESTIR EM 2018?

Onde investir em 2018?

 

O ano novo está aí, onde investir em 2018 diante de um cenário de tantas incertezas e turbulências? O mercado oferece várias alternativas de investimentos: ouro, ações, tesouro direto, bitcoin, etc.

Onde investir em 2018?

Entretanto há um investimento apontado por estudos recentes que mostram que investir nos primeiros anos de vida traz um alto retorno econômico e social. Como um estudo da Nova Zelândia publicado no final de 2016 que avaliou 1037 neozelandeses dos 3 aos 38 anos de idade, e que concluiu que os 20% de adultos que tiveram uma infância difícil, com restrições econômicas, descuido e negligência, foram responsáveis por 57% das internações hospitalares, 66% dos pedidos de benefícios sociais e 81% das condenações criminais.

Pesquisas revelam que o começo da vida, a Primeira Infância, tem um forte impacto na vida de um indivíduo e que o desenvolvimento saudável de uma criança, levando em conta  boa alimentação, cuidados com a saúde física e emocional, competências sociais e capacidades cognitivas, forma a base da prosperidade econômica e justiça social de uma nação.

O economista James Heckman, professor emérito na Universidade de Chicago e ganhador do Nobel de Economia no ano 2000, afirma que crianças submetidas desde cedo a bons estímulos, aumentam suas chances de ter mais sucesso na vida adulta e que investir na Primeira Infância é o caminho para o país crescer.

Entrevistado por Monica Weinberg,  da revista Veja, Dr. Heckman diz 

 

“cada dólar gasto com uma criança pequena trará um retorno anual de mais 14 centavos durante toda a sua vida. É um dos melhores investimentos que se podem fazer — melhor, mais eficiente e seguro do que apostar no mercado de ações americano”.

 

Investir no capital humano é e sempre será o melhor investimento. A quantia gasta em educação e saúde, resultará em economia ao longo da vida, em serviço social e sistema prisional.

 

Onde investir em 2018?

Acompanhe os trechos principais da entrevista:

Por que os estímulos nos primeiros anos de vida são tão decisivos para o sucesso na idade adulta? É uma fase em que o cérebro se desenvolve em velocidade frenética e tem um enorme poder de absorção, como uma esponja maleável. As primeiras impressões e experiências na vida preparam o terreno sobre o qual o conhecimento e as emoções vão se desenvolver mais tarde. Se essa base for frágil, as chances de sucesso cairão; se ela for sólida, vão disparar na mesma proporção. Por isso, defendo estímulos desde muito cedo.

Quão cedo? Pode parecer exagero, mas a ciência já reuniu evidências para sustentar que essa conta começa no negativo, ou seja, com o bebê ainda na barriga. A probabilidade de ele vir a ter uma vida saudável se multiplica quando a mãe é disciplinada no período pré-natal. Até os 5, 6 anos, a criança aprende em ritmo espantoso, e isso será valioso para toda a vida. Infelizmente, é uma fase que costuma ser negligenciada — famílias pobres não recebem orientação básica sobre como enfrentar o desafio de criar um bebê, faltam boas creches e pré-escolas e, sobretudo, o empurrão certo na hora certa.

Qual é o preço dessa negligência? Altíssimo. Países que não investem na primeira infância apresentam índices de criminalidade mais elevados, maiores taxas de gravidez na adolescência e de evasão no ensino médio e níveis menores de produtividade no mercado de trabalho, o que é fatal. Como economista, faço contas o tempo inteiro. Uma delas é especialmente impressionante: cada dólar gasto com uma criança pequena trará um retorno anual de mais 14 centavos durante toda a sua vida. É um dos melhores investimentos que se podem fazer — melhor, mais eficiente e seguro do que apostar no mercado de ações americano.

Se isso é tão claro, por que a primeira infância não está na ordem do dia de quem tem a caneta na mão para decidir? Há ainda uma substancial ignorância sobre o tema. Algumas décadas atrás, a própria ciência patinava no assunto. A ideia que predominava, e até hoje pesa, é que a família deve se encarregar sozinha dos primeiros anos de vida dos filhos. A ênfase das políticas públicas é na fase que vem depois, no ensino fundamental. E assim se perde a chance de preparar a criança para essa nova etapa, justamente quando seu cérebro é mais moldável à novidade.

A classe política também evita olhar para a primeira infância por achar que esse é um investimento menos visível a curto prazo? Os políticos podem, sim, considerar isso, mas estão redondamente enganados. Crianças pequenas respondem rápido aos estímulos de qualidade. Para quem tem o poder de decidir, deixo aqui a provocação: não investir com inteligência nesses primeiros anos de vida é uma decisão bem pouco inteligente do ponto de vista do orçamento público. Basta usar a matemática.

 

onde investir em 2018?O que mostra a matemática? Vamos pegar o exemplo da segurança pública. Há ao menos dois caminhos para mantê-la em bom patamar. Um deles é contratar policiais, que devem zelar pelo cumprimento da lei. O outro é investir bem cedo nas crianças, para que adquiram habilidades, como um bom poder de julgamento e autocontrole, que as ajudarão a integrar-se à sociedade longe da violência. Pois a opção pela primeira infância custa até um décimo do preço. Recaímos na velha questão: prevenir ou remediar? Como se vê, é muito melhor prevenir.

Que tipo de política pública de primeira infância tem surtido mais efeito? O grande impacto positivo vem de programas que conseguem envolver famílias pobres, creches e pré-­escolas, centros de saúde e outros órgãos que, integrados, canalizam incentivos à criança — não só materiais, evidentemente. O programa americano Perry, da década de 60, é um exemplo clássico de que o investimento em uma boa pré-escola produz ótimos resultados.

Por que esse modelo é bom? Ele envolve ativamente os alunos em projetos de sala de aula, lapidando habilidades sociais e cognitivas, sob a liderança de professores altamente qualificados. A família mantém um estreito elo com a escola. Temos de ter sempre certeza de que a família está a bordo, qualquer que seja a iniciativa.

Não é irrealista esperar tanto de famílias que vivem na pobreza, como no Brasil?Um bom programa de primeira infância consegue ajudar a família inteira, fazendo chegar até ela informações, boas práticas e valores essenciais, como a importância do estudo para a superação da pobreza.

Acesse a entrevista completa aqui.

Estão todos convocados, governo, organizações, sociedade e famílias, a fazer este investimento em 2018.

Feliz ano novo!

Abraço carinhoso

Ana Lúcia Machado

INFÂNCIA DIGITAL – O PERIGO DA DESCONEXÃO COM A VIDA

Infância digital - o perigo da desconexão com a vida

Frente ao panorama da infância digital e o perigo da desconexão com a vida, me pus outro dia a imaginar como agiria com meus filhos se eles fossem pequenos hoje.

Foi como entrar num túnel do tempo e me ver no carro cantando para acalmar meu bebê sentado no banco traseiro durante longos trajetos, ou em uma sala de espera para a consulta médica contando histórias para ele, ou ainda na mesa do restaurante desenhando enquanto aguardávamos a refeição.

Havia tantas opções de nos divertirmos juntos que confesso que é difícil pensar na redução a uma apenas – um aparelho tecnológico. Hoje a pressão da sociedade, das relações interpessoais, da indústria do entretenimento e lazer, conduz ao reducionismo do mundo tecnológico.

Infância digital - o perigo da desconexão com a vida

De acordo com levantamento da Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações, hoje temos 242,1 milhões de linhas celulares em operação para uma população de 208,2 milhões de brasileiros (IBGE), o que comprova a incorporação da tecnologia na vida das pessoas e alerta quanto à dimensão da revolução social e complexidade dos tempos atuais.

 

Não há como voltar atrás nos avanços tecnológicos e na sua inserção em todas as esferas da vida moderna. Sua influência torna-se cada dia mais forte e sua utilização essencial para a sociedade.

Existem aspectos altamente positivos na análise desses novos tempos e outros ainda sombrios que levam a muitos questionamentos e evidências de efeitos nocivos.

O uso precoce e excessivo da tecnologia é um fenômeno recente no cenário da infância. Pouco se conhece a respeito de suas consequências a médio e longo prazo. Por esta razão tem sido alvo de pesquisas e estudos para investigação dos impactos e repercussões sobre a dinâmica familiar, desenvolvimento, comportamento e aprendizado infantil.

Hoje com menos de 3 anos de idade, as crianças já sabem  usar smartphones, brincam com tablets, jogam games, entretanto, poucas  são capazes de amarrar os cadarços do tênis, pular corda, amarelinha, subir em árvores, etc.

Infância digital - o perigo da desconexão com a vida

Os vários gadgets tornaram-se uma extensão das mãos das crianças. Dedinhos cada vez menores deslizam pelas telas touchscreen  e pelas teclas  dos computadores, notebooks e controles remotos da TV.

Quais os efeitos da iniciação precoce ao mundo digital para a saúde física e psíquica das crianças? Quais as influências que essas tecnologias exercem no comportamento infantil durante a fase de formação e desenvolvimento? Quais os impactos das mudanças sociais para a cultura da infância?

 

 

O QUE MOSTRAM AS PESQUISAS

De acordo com a pesquisa TIC Kids online Brasil 2015 –  feita com os pais de crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos de idade,  do universo de 29,7 milhões nesta faixa etária, 80% são usuárias da Internet. O uso diário é intenso, corresponde a 84%, sendo que 68% acessam a Internet mais de uma vez ao dia – um aumento em relação a levantamento de 2014.

Com relação à média de idade do primeiro acesso, 44% acessam até os 9 anos, sendo que o telefone celular se tornou o principal dispositivo de acesso a internet, seguido do computador de mesa e tablet. Dados que mostram diminuição do acesso por computador de mesa e crescimento do acesso por tablet em comparação com resultados anteriores.

A residência continua a se apresentar como o principal local de acesso à internet por crianças e adolescentes, seguido pela casa de outra pessoa, escola e lanhouses.

Segundo o estudo americano Zero to Eight: Children’s Media Use in America de 2013, publicado pelo Common Sense Media, que desenvolve estudos sobre o impacto da mídia e das novas tecnologias sobre as crianças, entre 2011 e 2013 o acesso a mídias móveis pelas crianças americanas estourou. Neste período o número de crianças menores de 8 anos com acesso a tablets quintuplicou pulando de  8% para 40%. Em 2013, 38% das crianças com menos de 2 anos utilizavam um gadget, ante 10% em 2011. Entre 2 a 4 anos a taxa subiu de 39% para 80% e entre 5 e 8 anos, de 52% para 83%.

As pesquisas demonstram que crianças e adolescentes tem acesso cada vez mais cedo ao mundo tecnológico e permanecem conectadas por mais tempo. Trata-se de um fenômeno global.

 

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

Profissionais da área da saúde e educação alertam quanto aos efeitos que de alguma maneira tem sido relacionados ao uso precoce e abusivo das tecnologias digitais pelas crianças:

-Dificuldade de concentração

-Distúrbios do sono

-Obesidade 

-Alterações da visão

-Riscos auditivos

-Disfunções posturais e articulares

-Dificuldades de socialização

-Atraso de aprendizagem

-Agressividade

-Bullying

-Radiação

-Dependência

 De acordo com o Dr. Cristiano Nabuco de Abreu, psicólogo e coordenador do Grupo de Dependência Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria do  Hospital das Clínicas de São Paulo, a situação é preocupante. Ele tem atendido casos de crianças viciadas em smartphones, videogames e tablets, incapazes de se relacionar sem ser virtualmente, de manter a concentração e até mesmo dar sequência a um raciocínio lógico.

Em sua experiência clínica, tem atendido casos de crianças com pouco mais de 2 anos de idade que não comem, nem vão para a cama se não tiverem o aparelho ao lado.

 

Por que pais e educadores devem ficar atentos ao acesso tecnológico precoce e abusivo?

O Dr. Abreu explica que o processo de amadurecimento cerebral  é  finalizado somente após os 21 anos. Ele adverte que

Existem operações mentais que precisam naturalmente ser feitas e o grau de estimulação de um tablet desrespeita essa ‘ecologia’, essa natureza de desencadeamento da lógica. Quanto mais a criança ficar exposta a tecnologia, piores serão suas funções cognitivas, como a memória e desenvolvimento da atenção.

 

Por que pais estão colocando crianças cada vez mais novas em frente às telas por períodos cada vez mais longos?

Quem faz essa pergunta é o Dr. Michael Rich – pediatra americano, que em resposta à preocupação de pais a respeito do preparo de seus filhos para a competição no mundo digital, esclarece que

 As crianças aprendem muito rapidamente a navegar e a usar mídias de tela interativa, mais rapidamente do que os adultos, que precisam desaprender hábitos pré-digitais. A interface entre usuário e tela está se tornando cada vez mais intuitiva, o que torna ainda mais fácil para os nativos digitais a usarem.

Na visão do Dr. Rich, o tempo gasto com as mídias digitais pela criança está tomando o lugar de atividades mais importantes ao estímulo e desenvolvimento do cérebro infantil e impedindo que a criança vivencie um tempo de inatividade (tédio), necessário para a organização psicológica e a criatividade.

As telas estão roubando um tempo precioso da criança – o tempo do  brincar, uma atividade fundamental para o desenvolvimento infantil em todos os aspectos, físico, emocional, cognitivo, social e espiritual.

 

O QUE AS CRIANÇAS NOS DIZEM

Considerando o cérebro da criança ainda em desenvolvimento perante a velocidade e variação de estímulos que o uso de dispositivos digitais provoca ao mesmo tempo, é importante frisar que cada etapa de desenvolvimento da criança exige elaboração e organização interna e que estímulos externos excessivos podem provocar desordem pela aceleração e/ou antecipação daquilo que a criança ainda não está pronta para vivenciar. A criança tem um limite de capacidade de absorção de sensações e estímulos.

Infância digital - o perigo da desconexão com a vida

Para a criança pequena é muito mais adequado e saudável receber estímulos naturais como ouvir o pai ou a mãe contando histórias. O trabalho em absorver a história é muito maior, exige que a criança construa suas próprias imagens, e faça conexões para atribuir significado ao que está ouvindo. Isso torna a criança  mais ativa na situação em comparação com a passividade gerada pelo olhar fixo na tela, seja vendo um filme ou jogando.

Diante das telas, corpo e imaginação ficam inativos. As imagens estão prontas diante da criança, não deixando espaço para a imaginação criativa.

Outro aspecto a ser abordado é que as mídias de telas interativas têm sido fortemente usadas por adultos para promover distração nas crianças, ocupá-las, e mais do que isso, hoje são usadas como “chupetas eletrônicas” com o intuito de acalmá-las nas mais variadas situações do dia a dia – durante as refeições, para ir ao banheiro, adormecer mais facilmente, em passeios de carro, em salas de espera, restaurantes, procedimentos médicos, etc. As crianças estão vivendo um estado de anestesiamento diante da vida real.

Julieta Jerusalinsky, psicanalista infantil propõem importantes questionamentos quanto a este estado de alienação a que as crianças estão submetidas na atualidade, os quais devemos refletir:

 

– Que registro a criança vai fazer do próprio corpo se ela come olhando para a tela de um celular?

– Que apropriação do corpo a criança tem nessa situação ou em inúmeras outras onde ela é levada a fazer coisas do dia-a-dia de forma inconsciente, anestesiada, “distraída de si”, do que ela realmente está fazendo?

Sob o ponto de vista das relações sociais a Dra. Jerusalinsky observa que:

– Vivemos em tempos que podemos estar de corpo presente, mas psiquicamente ausente em relação àqueles que nos rodeiam. De corpo presente, mas sempre olhando para uma janela virtual, vamos nos situando como um sujeito “fora do espaço”.

– Os aparelhos emitem sequências sonoras, mas não conversam, não produzem uma matriz dialógica em que os lugares sejam subjetivados, eles oferecem fragmentariamente uma linguagem, mas não sustentam uma função. Emitir sequências sonoras é bem diferente de dar lugar a que o sujeito possa se representar na linguagem […] Para isso precisamos, pelo menos no início da vida, estar uns com os outros, e não com gadgets eletrônicos.

-Os pais e educadores se encontram com uma forma de transmissão das informações que não é mais mediada pelos adultos próximos. Na medida em que a criança tem acesso à internet, tem acesso a esta informação “desencarnada”, uma informação não mediada”.

Há um perigo muito grande nessa ausência de mediação. Máquinas “falam” com as crianças por horas todos os dias de maneira fria, impessoal, descontextualizada, desprovida das experiências vivenciadas dos adultos, sem a transmissão de valores culturais. A linguagem dos smartphones e tablets é uma linguagem de isolamento.

Infância digital - o perigo da desconexão com a vida

Foto Shutterstock

A Dra. Jerusalinsky avalia a importância dos três primeiros anos de vida da criança como um “tempo primordial da constituição psíquica, fase que está em jogo a constituição de si, a apropriação do próprio corpo e a relação consigo mesmo, além do estabelecimento das relações com o outro”.

Refletindo sobre a influência dessa revolução digital que crianças já em tenra idade estão sofrendo, outras indagações podem ser levantadas: Que modelo do que é ser humano é oferecido às crianças de hoje? Uma vez que elas veem adultos conectados 24 horas, o que elas estão assimilando a cerca de como acontecem as relações humanas? O que é estar com o outro? Existe relação sem celular? Os dispositivos digitais necessariamente nos acompanham a todos os lugares e em todos os momentos?

Diante de tantas dúvidas e incertezas percebe-se que há muitas peculiaridades nesses novos comportamentos que necessitam atenção e cuidado. Adultos e crianças estão sendo sugados para seus próprios mundos digitais. Isso não é sem consequência, interfere no convívio social, na interação e qualidade dos relacionamentos, restringe a comunicação, o olhar, o toque, suprime a separação de tempo de trabalho e tempo de lazer e família, e interrompe o momento presente a cada nova mensagem que chega, a cada toque do celular.

Como pais e educadores podem orientar suas condutas em relação ao uso de dispositivos digitais pelas crianças?  Onde podem se ancorar de maneira segura e coerente para limitar o tempo de tela das crianças?

Para rever o mundo que hoje é apresentado à criança e orientar este cenário de tantas inquietações e incertezas que temos testemunhado, é preciso estabelecer  princípios  e procedimentos éticos capazes de  nortear o processo educativo da criança.

A educação infantil tanto no âmbito familiar quanto escolar, precisa de bases sólidas onde se sustentar. Compreender a natureza da criança, suas características e necessidades biopsicossociais  espirituais frente  às etapas do seu desenvolvimento, é o ponto de partida proposto para trilhar de maneira segura o caminho da desafiadora  tarefa da educação da criança nos dias de hoje.

É importante respeitar as etapas do desenvolvimento infantil para a formação de indivíduos saudáveis e autônomos, compreendendo que cada fase é base para a próxima, e todas elas exigem um trabalho interno da criança, além de estímulos saudáveis do mundo externo.

É necessário entender que a criança apreende o mundo e aprende  de forma gradual, ao nível de sua compreensão, segundo uma grandeza interna de prioridades, ordenadas pelos conhecimentos já assimilados por ela.

A infância é um período de desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e social. A criança trabalha intensamente para a construção do seu vir a ser diante do mundo.

Infância digital - o perigo da desconexão com a vida

Espera-se que pais e educadores atuem como facilitadores desse processo, pois o ser humano depende do ambiente em que vive, do incentivo que recebe e da interação com outros seres humanos para se desenvolver.

Dessa forma o ambiente, constituído por tudo aquilo que traz estímulo aos cinco sentidos, deve ser amigável à criança, passando pelo tato, no toque de objetos naturais, até aromas, imagens, sons, que não agridam a criança e que a façam vivenciar experiências genuinamente humanas.

Raffi Cavoukian, ativista da infância, fundador do Centre for Child Honouring, diz que nenhuma tela de computador vai dar a criança uma brisa suave de verão, isso é impossível. O aroma da primavera não vai vir da tela. Nenhum toque que realmente emocione virá de representações artificiais do mundo. Aprender no mundo real é primordial para uma experiência positiva e formativa.

Infância digital - o perigo da desconexão com a vida

Foto Raphael Bernadelli

Os estímulos advindos do mundo digital, artificial, são pobres frente à diversidade e qualidade de estímulos que a criança necessita.

A criança aprende melhor e de forma mais eficiente com brincadeiras e interagindo com os pais, cuidadores, professores e amigos no mundo real e tridimensionalSe ela passar um tempo muito extenso em atividades tecnológicas, poderá comprometer habilidades sociais, de comunicação e a inteligência comportamental.

Lembremo-nos, na ausência do outro, o homem não se constrói homem. Somos os maiores responsáveis pelo estabelecimento do elo emocional entre a geração de nativos digitais e o mundo vida, e igualmente responsáveis por desenvolver uma consciência que entenda a cultura da infância como uma etapa particular do processo de iniciação do humano de forma a garantir a sobrevivência da nossa espécie.

Abraço carinhoso

Ana Lúcia Machado

EDUCAÇÃO INFANTIL E AS CEM LINGUAGENS DA CRIANÇA

Educação Infantil e as cem linguagens da criança

A Educação Infantil deve ser um espaço e tempo de liberdade para o desenvolvimento das cem linguagens da criança, entre elas, o brincar – linguagem universal da infância.

Temos debatido sobre o processo de aprendizagem na Educação Infantil desde a publicação do artigo DEVOLVAM O TEMPO DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL, leia aqui.

Educação Infantil e as cem linguagens da criança

Dando continuidade as discussões, esta semana Educando Tudo Muda entrevistou Raquel Franzim, pedagoga e especialista em Educação Infantil. Raquel trabalhou por quase 15 anos na rede municipal de educação da cidade de SP em cargos de docência, gestão e formação de educadores. Atualmente é assessora pedagógica no Instituto Alana, na área de educação e cultura da infância e coordena junto com a Ashoka o Programa Escolas Transformadoras no Brasil.

 

Quando uma criança está preparada para dar início ao processo de alfabetização sob o ponto de vista do desenvolvimento integral?

Depende do que se entende por alfabetização. Se entendermos alfabetização apenas como a decodificação de letras, há um consenso de que a criança inicia esse processo lá pelos seis ou sete anos. No entanto, se entendermos alfabetização como um processo amplo de interpretação e construção de sentido sobre o mundo e às marcas gráficas, contínuo em toda vida humana, podemos dizer que esse processo inicia-se ainda na vida intrauterina e termina ao morrermos.

Toda criança, desde seu nascimento, vive em uma cultura repleta de símbolos gráficos, do mundo letrado. Mesmo sem ainda ler e escrever tal como o convencionado socialmente, crianças pequenas atribuem significado e reconstroem a seu modo as marcas orais e escritas do mundo.

Educação Infantil e as cem linguagens da criança

Imagem: Avante.org.br

Portanto, não há momento específico para iniciar esse processo, mas todo o cuidado deve se ter para que a linguagem verbal, seja ela escrita ou oral, não sejam as únicas linguagens exploradas pela escola. Loris Mallaguzzi, educador italiano, por exemplo, defendia que a criança tem muitas linguagens, diversas formas de se expressar, de compreender e de reinventar o mundo.

 

Na sua visão, o que é a alfabetização precoce? O que você considera antecipação e aceleração desse processo?

As práticas educativas que desconsideram a infância como um período muito ativo por parte da criança e com diferentes formas de expressão, aprendizagem, interação com e sobre o mundo. A criança é construtora de culturas, de formas de ser, pensar e estar no mundo. Isso é uma coisa.

Educação Infantil e as cem linguagens da criança

Outra coisa é a escola privilegiar o tempo de vida da criança na escola apenas para a exploração da linguagem verbal (escrita e oral), uma das muitas linguagens da criança. Mais problemático é se a escola organiza as experiências de linguagem verbal sem relação nenhuma com a vida e com as práticas sociais de ouvir, falar, ler, escrever.

Certa vez, ouvi uma terapeuta ocupacional falar da linha de desenvolvimento humano. Foi a melhor explicação que já ouvi! Bebês e crianças pequenas se desenvolvem em um movimento céfalo-caudal (da cabeça aos pés, não  à toa bebês levam um tempo para sustentar a cabeça e depois conquistar a marcha, o caminhar) e próximo-distal (ou seja, do centro do corpo, partindo do coração, dos afetos, passando pelos movimentos amplos do corpo até a parte mais fina – os dedos e os movimentos de pinça). Ignorar isso é ignorar a ciência e muitas oportunidades das crianças se desenvolverem de corpo e alma, integralmente.

 

Quais os efeitos da alfabetização precoce?

Desconheço pesquisas que retratem isso. E muitas professoras e professores de educação infantil sabem, pela experiência viva, que crianças necessitam de vivência, relação e muito tempo e espaço para brincar. No entanto, a pressão social pelo aprendizado da linguagem escrita é muito forte. A maioria das famílias compreende a escola como um espaço para ‘aprender’ e não para brincar.

É difícil reconhecer o quanto as crianças aprendem outras coisas nessa fase da vida. Por isso, é papel de toda escola ajudar a família a aprender a olhar a experiência da criança pequena. E entender que ela não é pequena ou menor que outras experiências que virão mais para frente.

Também faz-se necessário dar mais visibilidade a pais e educadores pesquisas que evidenciam a importância do desenvolvimento integral e integrado nessa fase da vida e o impacto nos anos seguintes e na vida como um todo.

Temos a vida toda para aprender a ler e escrever formalmente, mas apenas 6, 7 anos para explorar intensamente toda a nossa capacidade física, sensorial, simbólica, gestual, comunicativa e criativa.

 

Qual a essência do trabalho na Educação Infantil?

Educação Infantil e as cem linguagens da criança

O essencial na educação infantil é a possibilidade da criança interagir com uma comunidade maior que suas próprias famílias. Ampliar os horizontes sociais e culturais. Se sentir pertencente a uma comunidade, participando ativamente dela. Toda a experiência nos 7 primeiros anos de vida é extremamente marcada pelo afeto aprendido e construído nas e pelas relações, pelo desenvolvimento das emoções, do sentir e se relacionar com diversos sentimentos. Junto com outras crianças da mesma idade e de diferentes idades, poder construir suas próprias narrativas, sejam elas corporais, simbólicas, orais, musicais etc.

 

O brincar, na primeira infância, não é apenas uma forma da criança aprender o mundo. É especialmente sua principal linguagem e meio de criação e reinvenção da vida. Não há fase na vida com tamanha intensidade como essa.

 

O que irá mudar na Educação Infantil a partir das discussões sobre a Base Nacional Comum Curricular ?

As audiências públicas realizadas nas 4 regiões do país e no Distrito Federal mostraram que a educação infantil é marcada historicamente pela compreensão de uma escola preparatória para o ensino fundamental. Isso traz graves consequências ao desenvolvimento integral das crianças, por privilegiar apenas a linguagem verbal na relação de ensino e aprendizagem. Imagine, como as crianças são podadas em sua criatividade e construção de conhecimento, sentimento e fazeres se apenas um dos aspectos delas? Contudo, a Base ainda aguarda a deliberação do Conselho Nacional de Educação e a homologação da versão, com o parecer do Conselho. Ademais, acredito que as escolas, educadores e famílias que acreditam que a educação infantil é um espaço plural não deixarão de o fazer, mesmo se a Base trouxer uma abordagem contrária.

Um alerta é o crescente apelo comercial do mercado editorial para padronização dos processos de ensinar e aprender na educação infantil, por meio de apostilas e materiais didáticos. Isso significa que há um enorme interesse de grupos econômicos em vender material para essa fase da vida – tolhendo a criatividade e autonomia não apenas de educadores, mas do potencial criador e criativo das crianças.

 

Para finalizar, deixamos aqui o poema de Loris Mallaguzi , educador a quem Raquel faz referência:

Educação Infantil e as cem linguagens da criança

Ao contrário, as cem existem

A criança é feita de cem.
A criança tem cem mãos
cem pensamentos
cem modos de pensar
de jogar e de falar.
Cem sempre cem
modos de escutar
de maravilhar e de amar.
Cem alegrias para cantar e compreender.
Cem mundos para descobrir.
Cem mundos para inventar
Cem mundos para sonhar.
A criança tem cem linguagens
(e depois cem cem cem)
mas roubam-lhe noventa e nove.
A escola e a cultura
lhe separam a cabeça do corpo.
Dizem-lhe:
de pensar sem mãos
de fazer sem a cabeça
de escutar e de não falar
de compreender sem alegrias
de amar e de maravilhar-se
só na Páscoa e no Natal.
Dizem-lhe:
de descobrir um mundo que já existe
e de cem roubaram-lhe noventa e nove.
Dizem-lhe:
que o jogo e o trabalho
a realidade e a fantasia
a ciência e a imaginação
o céu e a terra
a razão e o sonho
são coisas
que não estão juntas.
Dizem-lhe enfim:
que as cem não existem.
A criança diz:
ao contrário, as cem existem.

 

Abraço carinhoso

Ana Lúcia Machado

NOVOS PARADIGMAS PARA A EDUCAÇÃO- ÚLTIMA PARTE

O IMPACTO DE UM PAI NA VIDA DE UM FILHO from GUILHERME GIMENEZ on Vimeo.

A crise atual do sistema educacional brasileiro requer reflexão, revisões  e a busca por novos paradigmas para a educação.

Propõe-se aqui um aprofundamento e compreensão da extensão dessa crise  a partir da análise de algumas premissas, sendo que as duas primeiras foram apresentadas em artigos anteriores.

  1. Visão do ser humano integral (acesse aqui)
  2. Origem da palavra  Educar (acesse aqui)
  3. Autoconhecimento e Autoeducação

Passamos agora a abordar a necessidade do trabalho apurado de autoconhecimento e autoeducação por aqueles que se dispõem ao exercício da docência.

Para a compreensão da relevância da autoeducação, analisemos o pensamento de Rudolf Steiner, filósofo e educador austríaco (1861-1925):

 


Não há, basicamente, em nenhum nível, uma outra educação que não seja a auto-educação. […] Toda educação é autoeducação e nós, como professores e educadores, somos, em realidade, apenas o entorno da criança educando-se a si própria. Devemos criar o mais propício ambiente para que a criança eduque-se junto a nós, da maneira como ela precisa educar-se por meio de seu destino interior.


Novos paradigmas da educação

Podemos entender ‘destino interior’ como a essência central distinta, individual do ser humano.

Paulo Freire também fala que é necessário se educar para educar, e que se educar é impregnar de sentido cada momento da vida, cada ato do cotidiano.

Portanto, eu educo o outro, educando a mim mesmo, e o que faço enquanto educador, é criar o ambiente favorável em volta da criança, proporcionando assim condições por meio das quais a própria criança se revele.

 

 

Novos paradigmas para a educação

Como um jardineiro, nossa tarefa é encontrar as condições adequadas para cada tipo de semente, o tipo certo de solo, o adubo adequado, a proteção e irrigação corretas, achar os ingredientes apropriados que darão suporte e força a semente, para que ela brote, surja para fora, emerja sua natureza e cresça formosa.

 

Levando em conta que uma das características marcantes da criança é sua capacidade imitativa, podemos ressaltar a importância de modelos adequados de homens e mulheres em torno da criança como espelhamento de seres humanos íntegros. A criança não repete apenas a fala, o movimento e gestual do adulto, ela é capaz de assimilar o que o educador é, e assim reproduzir sua maneira de viver. E mais tarde, quando adolescente, de forma contumaz, procurará a veracidade nos educadores, tutores e pais, por meio da comparação entre o que esses falam e suas ações, seu jeito de se colocar no mundo, de ser e viver.

Por esta razão o educador, como referencial para a criança, adolescente e jovem, tem grande responsabilidade, pois atua no campo ético moral. Daí a importância do seu trabalho constante de autoconhecimento, como instrumento de revisão, aprimoramento e desenvolvimento humano, como processo de construção de si mesmo, num contínuo explorar-se, conhecer-se, transformar-se.

Enquanto educadores, precisamos nos tornar modelos mais adequados para as novas gerações que iniciam seus processos de construção de seres humanos no mundo.

 

A ARTE COMO CAMINHO DE REENCANTAMENTO DA EDUCAÇÃO

A educação convencional que vem se perpetuando, está fundamentada numa concepção materialista, cientificista, mecanicista, pautada na transmissão de conhecimento e informação. Vem privilegiando o desenvolvimento do lado cognitivo, deixando em segundo plano o corpo e a alma da criança. Isto porque o homem moderno tem endeusado a abstração, a fórmula, a quantificação e os avanços tecnológicos.

NOVOS PARADIGMAS PARA A EDUCAÇÃO - PRIMEIRA PARTE

A partir da concepção do ser humano integral, não podemos mais fundamentar o sistema educacional levando em conta apenas uma parte do que é o homem. Precisamos educar na/para inteireza.

Precisamos educar para a vida, abarcar o coração do homem no processo educativo, considerando seus sentimentos, emoções, relações. É necessário trazer para a educação temas essenciais, como o amor, a alegria, solidariedade, gentileza, temas estes que a racionalidade moderna não comporta por não conseguir explica-los cientificamente.

Precisamos reencantar a educação, com uma linguagem que fale à alma da criança, por meio de vivências artísticas, estéticas. A arte é o caminho que permite o desenvolvimento harmônico da criança, porque é a linguagem do coração. Ela permeia a razão e a conecta com o lado anímico da criança, fortalecendo a sua vontade, o seu fazer no mundo, e suas interações com o mundo.

cabeça humana escola waldorf

A expressão artística, seja pela pintura, modelagem, dança, teatro, poesia, música, etc., desperta a consciência do mundo interior de cada ser, faz a ponte entre o lado intelectual humano e sua capacidade de ação, possibilita a criação de algo resultante da sua imaginação e fantasia.

Rudolf Steiner afirma que: “A pedagogia não pode ser uma ciência – deve ser uma arte”. Educação é arte. Que possamos nos sentir inspirados para fazer uma nova escola, fundamentada no respeito à totalidade do ser humano, na confiança do desenvolvimento e aprimoramento das potencialidades humanas.

Como síntese desta reflexão, fica aqui a poesia do Profº Ruy Cezar do Espírito Santo:

 

A Grande Transformação

Buscar a fonte da inspiração artística

É dirigir-se ao mais dentro do Homem

À Fonte única que de forma original

Derrama o fruto da sua percepção

 

Novos paradigmas para a educação

Encontrar essa Fonte

É desvelar a possibilidade do Amor

É trazer o Homem novamente aos dez anos,

De onde se afastou pelo que chamamos de “educação”…

 

 

O Amor dissipou-se no instante em que o “jovem de 10 anos”

Sentiu-se perdido nos labirintos escolares,

Onde cabeças sem coração são “formadas”

Sem a presença da Arte…

 

Novos paradigmas para a educação

Assim, resgatar a Arte

É redescobri a Fonte interior de Alegria e Amor…

É voltar aos dez anos, desta vez

Ciente do sentido e da significação da existência.

 

 

 

O texto original e completo deste artigo está publicado na Revista Interespe, nº 8 – jun 2017, da  PUC de São Paulo  e  disponível pelo link:

http://www.pucsp.br/interespe/revistas/downloads/revista-8-interespe-jun-2017.pdf

 

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Abraço carinhoso

Ana Lúcia Machado

 

 

NOVOS PARADIGMAS PARA A EDUCAÇÃO – SEGUNDA PARTE

novos paradigmas para a educação

Diante da crise atual do sistema educacional brasileiro, vivemos um  momento de grandes revisões e busca por novos paradigmas para a educação.

A necessidade de aprofundamento e compreensão da extensão dessa crise, tem como ponto de partida a análise de três premissas:

  1. Visão do ser humano integral
  2. Origem da palavra  Educar
  3. Autoconhecimento e Autoeducação

A primeira parte deste artigo, leia aqui,  apontou  a importância da ampliação da visão do ser humano para  estabelecimento de  bases e práticas que atendam sua integralidade na Educação.  Não se deve pautar a Educação apenas no desenvolvimento cognitivo da criança, uma vez que o ser humano é constituído de um corpo físico, emocional e espiritual.

Dando continuidade a análise proposta, passemos agora para a compreensão da palavra educar.

Apreender verdadeiramente seu significado nos colocará num patamar mais elevado de entendimento da grandiosidade do papel da Educação.

NOVOS PARADIGMAS PARA A EDUCAÇÃO

Etimologicamente educar vem do verbo latim educare, que significa conduzir para fora, ou seja, despertar no homem o que nele se acha dormente. Desta forma, educar não é incutir algo, mas sim propiciar que venha à superfície o que existe dentro.

Paulo Freire diz que: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. Freire cunhou o termo: educação bancária, para denunciar a prática do educador como detentor dos conteúdos que simplesmente são depositados nos educandos.

Esta temática já recorrente, pode ser observada nas citações de outros autores, a exemplo de Plutarchus9 (1844, p.38): “O espírito (a cabeça) não é como uma jarra que se enche. Semelhante às matérias combustíveis, ela tem, antes, necessidade de um alimento que o sacie, que aqueça suas faculdades e anime o espírito para a busca da verdade”.

Johann Heinrich Pestalozzi, educador suíço (1746-1827), também discorre a respeito dizendo que o educando não é semelhante a “um vaso vazio que se deve encher” acrescenta ainda que o educando é: “uma força real, viva, ativa por si mesma que, desde o primeiro momento da sua existência age no sentido de um corpo orgânico sobre seu próprio desenvolvimento” (PESTALOZZI, 2009, p. 160). Esta afirmação abre uma janela importante que deve ser explorada reconhecendo que cada ser humano carrega em si potencialidades, e são com essas potencialidades que o educador trabalhará, no sentido de despertá-las e trazê-las para fora.

Da mesma forma que Rohden (2005, p.13) diz: “ …dentro de cada um de nós existe algo maior e melhor do que aquilo que existe fora de nós. O homem é muito mais aquilo que pode vir a ser e deseja ser do que aquilo que é no plano histórico da sua vida. O homem é a sua permanente e silenciosa atitude interna, e não os seus ruidosos atos externos e transitórios. O homem é a sua eterna potencialidade, e não apenas a sua atualidade temporal”.

 

QUAL A QUALIDADE DO OLHAR QUE PRECISAMOS DESENVOLVER PARA ENXERGAR E CONFIAR NA ESSÊNCIA NÃO MANIFESTA DE UMA CRIANÇA?

NOVOS PARADIGMAS PARA A EDUCAÇÃO

Tomemos como referência a vida de Cristo que em toda sua trajetória demonstrou compaixão e ofereceu um olhar atento e individualizado a todos que dele se aproximavam. Qual a qualidade do olhar de Cristo?

Um olhar capaz de alcançar a essência do ser humano, um olhar fluídico, que não se fixa em um único ponto. Um olhar penetrante, de longo alcance, livre de julgamentos e preconceitos, que enxerga a necessidade humana individualizada. Um olhar que se renova a cada dia, criando novas possibilidades de vir a ser. Um olhar profético, capaz de alcançar o futuro, independente das circunstâncias adversas do momento presente, que vê além das aparências e comportamento em si.

Certas crianças encontram-se prisioneiras de um olhar cristalizado e estigmatizante, um olhar viciado, que enxerga as mesmas coisas sempre, e que, portanto, não estimula, não favorece a manifestação de suas potencialidades, pelo contrário, reforça atos externos que não expressam sua essência interior.

Cabe aqui uma citação de Wolfgang von Goethe que demonstra a relevância da relação que deve ser estabelecida com o que ainda não se manifestou:

“Trate um homem como ele é e ele permanecerá como é; trate-o como ele deve ser e ele será como pode e deve ser”.

Existe ainda uma frase de Jean Piaget que ajuda a lapidar o olhar do educador:

“Quando olho uma criança ela me inspira dois sentimentos, ternura pelo que é, e respeito pelo que pode ser”.

Como educadores, seja em sala de aula, ou em casa com os filhos, é necessário levar em conta que a criança não é uma página em branco, ela traz em si uma essência. Caberá aos educadores a tarefa de nutrir o solo para que brote a semente e floresça as potencialidades individuais de cada ser.

Novos paradigmas para a educação

 

No próximo artigo será analisada a terceira e última premissa proposta:  autoconhecimento e autoeducação.

O texto original e completo deste artigo está publicado na Revista Interespe, nº 8 – jun 2017, da  PUC de São Paulo  e  disponível pelo link:

http://www.pucsp.br/interespe/revistas/downloads/revista-8-interespe-jun-2017.pdf

 

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Ana Lúcia Machado

NOVOS PARADIGMAS PARA A EDUCAÇÃO – PRIMEIRA PARTE

NOVOS PARADIGMAS PARA A EDUCAÇÃO - PRIMEIRA PARTE

Estamos diante de uma crise do sistema educacional no país, que nos conduz a um momento de grandes revisões e busca por novos paradigmas para a educação.  O modelo vigente não atende as reais necessidades da sociedade, um modelo que reduz o aluno a um simples futuro candidato a uma vaga no mercado de trabalho cada vez mais competitivo.

Um a cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no Brasil, abandona a escola antes de completar a última série – dado do Relatório de Desenvolvimento 2012, divulgado pelo Pnud – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

O Brasil tem a terceira maior taxa de abandono escolar entre os 100 países com maior IDH – Índice de Desenvolvimento Humano .  Na América Latina, só a Guatemala e Nicarágua tem taxas de evasão superiores.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) , 1,3 milhão de jovens entre 15 e 17 anos, deixaram a escola sem concluir os estudos, dos quais 52% não concluíram sequer o ensino fundamental. Dentre as causas da evasão, o desinteresse do jovem pelos estudos é apontado como um dos fatores no âmbito escolar.

Mais do que quantificar a extensão dessa crise, precisamos compreender sua profundidade e para isso partimos da análise de três premissas:

  1. Visão do ser humano integral
  2. Origem da palavra  Educar
  3. Autoconhecimento e Autoeducação

A primeira parte deste artigo apresentará e discutirá a visão do ser humano integral.

Para compor esta integralidade propomos a observação do desenho do Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci, datado de 1490.

A que nos remete esta imagem?

NOVOS PARADIGMAS PARA A EDUCAÇÃO - PRIMEIRA PARTE

 

 

– Completude

– Harmonia

– Equilíbrio

– Beleza

 

 

 

 

A representação das proporções ideias do ser humano no desenho de Leonardo da Vinci, traz a ideia de equilíbrio e harmonia entre as partes que compõe o homem, sem privilegiar nenhum aspecto em detrimento do outro.

Dando um salto na História da Arte, comparamos a obra de Leonardo da Vinci a de Tarsila do Amaral , com o quadro Abaporu, de 1928.

NOVOS PARADIGMAS PARA A EDUCAÇÃOA figura humana na obra de Tarsila do Amaral retrata o homem da terra, ligado à natureza. Trata-se do homem do fazer, que caminha, planta, colhe, usa a força física de seus membros superiores e inferiores, e por esta razão apresenta-os bem desenvolvidos. Podemos definir o homem de Tarsila como o homem do fazer, da ação.

Na comparação com o Homem Vitruviano, pode-se perceber a perda das proporções ideais do ser humano.

Contrapondo o homem do fazer de Tarsila do Amaral, na pintura a seguir, de autoria desconhecida, observamos a desproporcionalidade entre cabeça e corpo.

 

NOVOS PARADIGMAS PARA A EDUCAÇÃO - PRIMEIRA PARTE

Pela ênfase dada à cabeça, evidencia-se a importância da racionalidade, do intelecto, do desenvolvimento cognitivo expressa pelo artista. Temos aqui o homem que dá prioridade a sua capacidade pensante.

Este é o homem contemporâneo, que tem na racionalidade sua prioridade e a utiliza como o grande condutor de sua vida.

Formulamos então a pergunta: se no passado o homem desenvolveu seus membros inferiores e superiores privilegiando a capacidade do fazer e hoje ele prioriza o desenvolvimento cognitivo, representado pela cabeça, como fica o  desenvolvimento da região toráxica, composta pelo coração e pulmão, que forma seu sistema rítmico?

A visão ampliada do ser humano, proposta pela Antroposofia, concebida pelo filósofo e educador Rudolf Steiner, 1861-1925, considera a espiritualidade parte da constituição do ser humano, assim como também aponta o corpo astral, um corpo de emoções.

Fomos até aqui guiados por uma visão fragmentada do ser humano, precisamos reconstruir sua visão integral como ponto de partida para a Educação, conforme diz o Profº Ruy Cezar do Espírito Santo em O renascimento do Sagrado na Educação: “a inserção da espiritualidade no contexto educacional é essencial”.  E para que isso aconteça,  o primeiro passo é compreender a totalidade da constituição humana.

O reconhecimento da dimensão espiritual do ser humano, coloca nos diante de grandes desafios como educadores. Considerando as palavras de Huberto Rohden, filósofo educador catarinense  (1893-1981) em Novos Rumos para a Educação:

“Todo homem é muito mais aquilo que é potencialmente do que aquilo que é atualmente […] Uma semente é potencialmente a planta que dela vai brotar, embora não seja ainda atualmente essa planta. A verdadeira natureza de uma semente de palmeira é a palmeira que dela nascerá. A ‘natura’ é a coisa ‘na(sci)tura’, isto é, aquela coisa que vai nascer. A potencialidade é, pois, a íntima natureza de um ser, a sua verdadeira natura ou natureza”

Pode-se afirmar que como educadores trabalhamos com aquilo que ainda não é visível no educando externamente, e devemos atuar como facilitadores na tarefa de tornar manifesto aquilo que ele carrega dentro de si, sua essência central; objetivar, sua subjetividade.

Como o educador pode estabelecer uma relação com a verdadeira essência do ser ainda não manifesta de modo a facilitar sua exteriorização, e não permitir que a temporalidade das atitudes desarmoniosas externas, interfira negativamente no processo educativo?

Rohden  nos instiga ao afirmar que:

“Toda a verdadeira educação consiste em que o homem faça a sua existência à imagem e semelhança da sua essência; que essencialize a sua existência; que verticalize as suas horizontalidades; que divinize a sua humanidade; que faça o seu externo agir tão bom como é o seu interno ser”

Reconhecer a essência central do ser humano, invisível externamente, bem como recompor as partes para a visão de sua totalidade,  como visto até aqui, é tarefa fundamental para repensar-se novos rumos na educação.

No próximo artigo será analisada a segunda premissa proposta:  origem da palavra Educar.

O texto original e completo deste artigo está publicado na Revista Interespe, nº 8 – jun 2017 página 49, da  PUC de São Paulo e  disponível pelo link:

http://www.pucsp.br/interespe/revistas/downloads/revista-8-interespe-jun-2017.pdf

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Ana Lúcia Machado