BRINCAR VIVO: BRINCAR NA E COM A NATUREZA

A infância tem no brincar na e com a natureza a sua espinha dorsal. Ambientes ricos em áreas verdes são fonte de um brincar vivo e criativo. É no transitar lúdico telúrico, fazendo aliança e oposição ao chão, que se ergue o humano. No manuseio dos elementos da terra, emerge a essência de todas as coisas, o mistério sagrado e, a verdade primordial que tecerá a existência humana, é revelada à infância pela natureza.

Brincar em espaços naturais nos coloca diante da vocação lúdica e artística da natureza e expõe a criança à riqueza e diversidade dos elementos naturais, abrindo um leque de possibilidades de brincadeiras e invenção dos próprios brinquedos pela criança tendo a natureza como matéria-prima.

Um passeio na mata, uma caminhada no parque, praça, no pátio escolar, num local com árvores, terra, flores e insetos, aguça a curiosidade infantil. Possibilita o contato com aromas diferenciados; sons de pássaros, do vento, das folhas secas; formas diferentes de folhas; cores variadas de flores. Permite a observação de formigas, de lagartas, minhocas, líquens; a descoberta de diversos seres vivos fascinantes para a essência curiosa e exploratória da criança. Propicia andar na chuva; pisar em poças d’água; acompanhar borboletas; colher frutos; pegar pedras; subir em árvores e correr entre elas. Um brincar que provoca deslocamentos, que põe o corpo em movimento intenso.

BRINCAR VIVO – BRINCAR NA E COM A NATUREZA

Esse brincar mediado pela natureza, estabelece uma conexão com as forças vitais dos quatro elementos, com os ciclos de nascimento, vida e morte, fluxos vivos, ritmos e processos dinâmicos, revelando os princípios que regem a vida na Terra, aguçando os sentidos, a imaginação e o senso de pertencimento das raízes com a Terra e respeito a ela.

Tudo na natureza cresce num movimento e gesto repleto de vida. Cada elemento traz consigo, em sua essência e forma a pulsação da Terra, seu inspirar e expirar. Em contato com materiais orgânicos a criança é revitalizada e fortalecida em seu interior  pela identificação com os elementos formativos e processos comuns a ela mesma e à Terra.

A energia e as manifestações da natureza favorecem múltiplos brincares. O vento, a chuva, o sol, são aliados que atuam como forças canalizadoras do processo criativo de invenção de brinquedos e brincadeiras.

Se temos um dia de ventania, usamos o vento de modo que favoreça as brincadeiras com o elemento ar: cata-vento, pipa, biruta, etc. Se for um dia chuvoso, aproveitamos para encher potes de água, pisar nas poças d´água, fazer lama e tantas outras possibilidades com o elemento água. Nos dias ensolarados brincamos com as sombras, com as transparências das folhas contra a luz solar, nos apropriando do elemento fogo. No chão, peneirando a areia, enchendo e esvaziando baldinhos, nos alimentamos da vitalidade da terra.

Há um diálogo, uma troca potente entre os elementos naturais e a criança. Nesta relação direta com a terra, a criança reconhece na matéria o lúdico e transforma em brinquedo o que a natureza oferece.

Cada um dos elementos permite que a criança mobilize dentro de si forças imaginativas criadoras. Com os achados e coletas dos elementos naturais, galhos viram espadas ou varinhas mágicas; folhas e flores ora podem ser decoração de um lindo bolo, ora adorno de uma coroa na cabeça, evidenciando assim a lei da metamorfose que rege o universo lúdico infantil, em que uma coisa vira outra, num estado vigoroso de constante transformação.

Estes são os brinquedos da terra: árvores para trepar e se balançar, troncos tombados para se equilibrar, morro para escalar e escorregar, pedras para subir e depois pular, terra para escavar, etc. Esta é a magia do brincar na natureza e dos elementos naturais, que permitem infinitas possibilidades, algo sempre diferente e novo. Essa é a força interior das crianças em ação no ato do brincar livre – elas subvertem materiais, criam brinquedos e inventam histórias de acordo com o enredo de suas brincadeiras. Este é o brincar vivo.

Os elementos naturais têm como principais características a diversidade, simplicidade, plasticidade e longevidade. Pela variedade de formas, tamanhos, pesos, texturas, aromas, sons e cores, produzem estímulos multissensoriais. São acessíveis, encontrados pelas crianças facilmente soltos pelo chão, em parques, praças, ruas arborizadas, etc.

Os elementos naturais são “abertos”, isto é, permitem ser moldados pelas mãos das crianças e atendem à necessidade de suas brincadeiras. São materiais não estruturados, flexíveis e versáteis. Por não terem uma função específica, e não entregarem algo pronto para a criança, dão espaço e liberdade para a atuação imaginativa sendo usados de modos diversos, aumentando o envolvimento, o tempo de permanência e o interesse da criança pelos brinquedos e brincadeiras inventadas com gravetos, pedras, sementes, folhas e flores.

brincar vivo

A materialidade desse brincar amplia o repertório da infância, nutre o imaginário e  enriquece a capacidade de criação. Os elementos naturais tocam o corpo por meio dos sentidos – tato, olfato, audição, visão, paladar, acordando a imaginação. E assim, a imaginação se torna o melhor brinquedo, o mais rico, completo e profundo. A imaginação inventa as mais incríveis brincadeiras.

O brincar livre em contato com a natureza acompanha o ritmo natural da criança – são doses de inputs sob medida para cada individualidade. A criança é exposta a uma rica variação de estímulos na qual experimenta e avança de acordo com sua necessidade e prontidão, isto é, seu amadurecimento físico e psicológico. A natureza desafia e a criança responde de acordo com a etapa de desenvolvimento em que se encontra.

A natureza disponibiliza um ambiente livre e empático. Oferta à criança o que a brincadeira pede. Por meio de seus elementos, oportuniza experiências para que a criança possa desfrutar vivências que alavancam seu desenvolvimento integral.

Este brincar vivo atua numa camada profunda da constituição do ser, ampliando todos os sentidos e imprimindo registros nas entranhas do ser criança. Os efeitos provocados pela natureza na organização corpórea e anímica, não podem ser reproduzidos por nenhum brinquedo industrializado ou atividades dirigidas por um adulto. O não pronto ativa a vontade interior de completar coisas inacabadas.

Além disso, este é um brincar ecológico, em que a criança brinca com o que a natureza oferece e ao término da brincadeira, em uma autêntica logística reversa, tudo pode retornar para a terra sem causar nenhum dano ao meio ambiente.

Vamos então defender as condições essenciais para o brincar vivo: ambientes naturais, tempo, liberdade para a criança brincar livre e acesso aos elementos naturais.

Brincar na e com a natureza é uma forma de expressão autêntica da criança, uma maneira de fazer arte, honrar a infância, intensificar e respeitar a vida, e promover a sustentabilidade planetária. Esse brincar vivo é um direito da criança para a garantia de uma infância plena.

Este artigo foi originalmente publicado pela Aliança Pela Infância em comemoração a Semana Mundial do Brincar 2023. Baixe a publicação virtual AQUI e acesse outros artigos.

abraço afetuoso

Ana Lúcia Machado

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