Somos seres de insatisfação – essa é uma das características do ser humano apresentada por Mario Sergio Cortella*, em Por que fazemos o que fazemos?, onde o autor propõem inúmeras questões sobre o sentido da vida e a condição humana.
A energia do começo do ano é também grande impulsionadora de reflexões e ajustes importantes. Para enriquecer essas reflexões, nada como a leitura de um bom livro.
Em Por que fazemos o que fazemos?, o autor cita o filósofo alemão Martin Heidegger, que denomina essa característica humana de sensação do oco, angústia. E para deixar bem claro o significado dessa angústia, que neste caso não é algo negativo, o autor traz o exemplo de um antigo joguinho infantil – um quebra cabeças, onde era preciso movimentar as pecinhas para formar uma palavra, frase, sequência numérica , ou até mesmo uma imagem. Para movimentar o jogo e ordenar as peças, de modo a formar uma sequência lógica, era essencial um espaço vazio, senão não havia movimento. Com esse exemplo simples, conclui-se que a lacuna interior no ser humano, sua sensação de vazio, é o que cria possibilidades, e liberdade ao ser humano.
Cortella define o ser humano como “a capacidade de ter essa lacuna”, e alerta que uma vez preenchida esse vazio, o homem desumaniza-se. Segundo ele, um nível de insatisfação é extremamente benéfico para nós, pois impede o automatismo.
Essa característica humana foi ao longo do tempo sendo totalmente deturpada, e com isso criou-se a indústria do entretenimento, a sociedade de consumo, e as mais diversas distrações, assim como leis, moda, fantasias, tecnologias, medicamentos, etc… Tudo pensando em oferecer satisfação imediata ao ser humano, preencher a sensação de vazio existente. Cortella nos ajuda a refletir sobre a maneira que somos desumanizados, e mais, a maneira que o sistema usa para tirar nossa liberdade e nos escravizar, tornando-nos robôs.
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A sociedade está submetida a um sistema que tem por objetivo roubar o que temos de mais importante: a vida, a consciência e o tempo. Nossa cultura nos distrai a todo momento das coisas que realmente importam, vai criando tantas necessidades supérfluas, que nos afastamos cada vez mais do que é essencial para o ser humano. Deixamos de lado o verdadeiro sentido da vida. Perdemos com isso a sensação de vazio, pois somos estimulados constantemente a encher de coisas nossas lacunas.
Sim, somos seres de insatisfação e fazer dessa característica humana algo positivo, depende unicamente da forma como lidamos com nosso vazio. Que possamos valorizar nossas carências e entender sua importância para nutrimos nossa humanidade e assim celebrarmos a vida.
Abraço carinhoso
Ana Lúcia Machado
*filósofo, e professor universitário brasileiro