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PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DA FONOAUDIOLOGIA

PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DA FONOAUDIOLOGIA

Entender o processo de alfabetização sob a perspectiva da Fonoaudiologia é uma maneira de ampliar o olhar para as necessidades da criança na primeira infância.

A criança nos primeiros anos de vida tem diante de si enormes desafios, desde colocar-se na posição vertical e andar até assumir a sua própria individualidade. Este é um dos períodos de maior aprendizado na vida da criança.

Entre tantas conquistas desafiantes, temos o aprendizado da leitura e escrita, que deve ser entendido como um processo respeitoso à individualidade e o tempo de cada criança.

Para elucidar o processo de alfabetização convidamos a fonoaudióloga Viviane Gilg¹,  à frente da Clínica Expressão Fonoaudiologia desde 2009, que apontará aspectos importantes a serem observados por pais e educadores.

 

DESAFIOS DA CRIANÇA, AMBIENTE  E INTERAÇÃO DOS MEDIADORES

A linguagem oral representa uma das aquisições mais significativas na vida de uma criança, é um dos marcos de desenvolvimento. A incapacidade e/ou dificuldade em se expressar e se comunicar por meio da fala pode gerar experiências frustrantes, colocando o indivíduo em provável desvantagem de desenvolvimento (por exemplo, nas habilidades psicossociais, de linguagem e de aprendizagem).

PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DA FONOAUDIOLOGIA

O desenvolvimento da linguagem acontece mesmo antes do bebê emitir palavras, por meio de vocalizações, olhares e gestos, e por meio da discriminação dos sons da fala do outro. Posteriormente, com a aquisição dos primeiros sons e por meio da interação, inicia-se a fase linguística (sons com significado). Esse processo, contínuo e complexo, também depende de condições neurobiológicas e ambientais apropriadas.

 

 

Assim, sabemos que, em geral, as crianças irão pronunciar as primeiras palavras ao redor dos 12 a 18 meses, aumentarão seu vocabulário entre 18 a 24 meses (respeitando as variações individuais). Aos 4 anos, espera-se que as crianças consigam construir frases sem muitos erros gramaticais.

Nessa mesma idade, muitas crianças são capazes de memorizar letras, escrever o próprio nome, até mesmo reproduzirem palavras inteiras. O que não significa maturidade para compreender a linguagem escrita e sim a habilidade de memória já desenvolvida.

PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DA FONOAUDIOLOGIA

Considerando que o processo de desenvolvimento da linguagem é contínuo, se dá por meio da combinação entre aspectos neurobiológicos, ambientais, ao acesso ao conhecimento e pela interação, sabe-se que a criança começa a ter oportunidades de construir conhecimentos importantes a respeito da linguagem escrita mesmo antes de saber formalmente a ler e escrever, por exemplo, ao conviver com pessoas que leem e escrevem e também ao ter acesso a materiais de leitura e escrita. Especificamente o desenvolvimento motor e linguístico irá desempenhar papel importante no processo formal de aprendizagem da leitura e da escrita, sabemos que a alfabetização é um processo bastante complexo.

A inserção da criança ao mundo formal de alfabetização permite um questionamento importante: ela está “preparada” para a alfabetização? Do ponto de vista do desenvolvimento da linguagem, sabemos que nem toda criança de 6 anos possui uma comunicação eficiente, sua estrutura de linguagem oral pode ainda estar contaminada por substituições, omissões por exemplo. Sua capacidade de construir frases complexas também. Contudo, temos exemplos de crianças com 4 anos que já apresentam domínio da linguagem oral.

 

O QUE CONTRIBUI PARA O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO?

O estímulo ao desenvolvimento de habilidades e competências para desenvolver a leitura e escrita nos parece uma forma mais respeitosa ao nível de desenvolvimento da criança e consegue respeitar as características singulares, individuais e ambientais de cada uma. Crianças em idade pré-escolar estão em pleno desenvolvimento, exercitar a compreensão dessa complexidade que é a linguagem oral, estimular a leitura como algo prazeroso desde cedo, são atitudes importantes que enriquecerão e trarão mais chances de sucesso ao processo de alfabetização e, inclusive, de constituição do sujeito.

PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DA FONOAUDIOLOGIA

Entre os quatro e seis anos é possível despertar o interesse da criança pela leitura e escrita, o que proporcionará um início do processo de alfabetização mais natural, com o letramento do aprendiz ocorrendo em seguida, sem necessariamente haver uma alfabetização formal.

Antes dos seis anos, é comum a criança não diferenciar letras de desenhos, ao passo que aos sete, oito anos já percebe até mesmo a presença da nasalidade dos sons e aí já é possível conseguir diferenciá-los na grafia. Essa distinção entre letras e desenhos é uma possível pista de “prontidão” para aprendizagem (embora muitos autores não concordem com o termo “prontidão”).

Conforme descrito por VERONEZI² (2011): “com esse desenvolvimento completo da oralidade infantil, a criança está pronta para adentrar o universo da escrita e tentar simbolizar a fala e seus pensamentos por meio de grafemas da língua escrita, aprendendo a operar com suas regras e elementos limitadores da tão rica expressão verbal”.

 

O QUE A PRESSÃO E ACELERAÇÃO AO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO PODE ACARRETAR?

PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DA FONOAUDIOLOGIA

Observamos que inserir a criança antecipadamente em um processo formal de alfabetização pode ser, no mínimo, desrespeitoso à ela, pois etapas importantes de seu desenvolvimento (cognitivo, sensório motor, de linguagem e da audição) serão suprimidas e como consequências, recebemos nos consultórios clientes com as mais variadas queixas: fracasso escolar, incapacidade de acompanhar o aprendizado, confusão de letras, dispersão, por exemplo. Também está presente o risco de rotular precocemente a criança sendo portadora, por exemplo, de Dislexia, Transtorno e Déficit de Atenção e Hiperatividade (problemas esses que são reais, desde que diagnosticados de maneira adequada).

Leia também: Por que não alfabetizei meu filho antes dos 7 anos e as 6 consequências da alfabetização precoce

É importante que o trabalho educativo com crianças em idade pré-escolar, do ponto de vista do desenvolvimento da linguagem, considere para além da idade cronológica da criança, considere seu desenvolvimento psicobiológico, proporcione e estimule as habilidades como consciência fonológica, atividades lúdicas de fala e linguagem, atenção sustentada, memória operacional, relações entre codificação e decodificação de sons e memória auditiva, por exemplo.

 

 

Respeitar o desenvolvimento da criança

PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DA FONOAUDIOLOGIA

proporciona à ela e ao seu processo de aprendizagem o fortalecimento de autoconfiança, segurança em executar tarefas, capacidade de observar e entender o erro e tentar sua (re)construção, evitando que esse período seja de frustrações e de sentimentos de incapacidade, o que pode interferir negativamente em seu desenvolvimento futuro.

 

 

 

Abraço carinhoso

Ana Lúcia Machado

 

¹VIVIANE GILG DA SILVA GONZALEZ  –  Graduada em Fonoaudiologia pela PUC/SP, pós-graduada em Voz. Experiência de mais de 18 anos em Fonoaudiologia Clínica. Atuação em Treinamento e Desenvolvimento em Comunicação Humana, planejamento e atuação em palestras, oficinas, treinamentos.

 

² A ALFABETIZAÇÃO PRECOCE E PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESCRITA – Ana Mirtiz Veronezi  –  PUC Paraná

 

 

 

ESCOLARIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

ESCOLARIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

 

A escolarização na Educação Infantil é um tema que tem causado inquietação em pais e educadores. O que estamos fazendo com a infância? O modus vivendi da sociedade contemporânea com seus excessos, têm adoecido as crianças. Querem cedo demais tirá-las do seu tempo e espaço natural de desenvolvimento. Querem cedo demais intelectualizar, atrofiando os sentidos, limitando a curiosidade e vontade da criança de explorar e vivenciar o mundo livremente.

Em julho o Educando Tudo Muda propôs discutir esta questão por meio do artigo DEVOLVAM O TEMPO DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL leia aqui, que obteve mais de 37.000 acessos.

Com o objetivo de ampliar e enriquecer esta reflexão, convidamos a coordenadora pedagógica Katherine Stravogiannis¹, para compartilhar  sua visão a cerca do sentido do aprendizado nos primeiros anos escolares.

Katherine dá início as suas considerações destacando uma citação de Tomás de Aquino “a admiração é o desejo de conhecimento!”, e fazendo as seguintes perguntas:

-Como deixar que as crianças revelem seus estupores e deslumbramentos diante da vida, permitindo-lhes a continuidade destes na própria escola?

-Como podemos questionar o real sentido de aprendizado?

 

PENSANDO NA IMAGEM DE CRIANÇA IMPREVISÍVEL, CRÍTICA E QUESTIONADORA,

Colecionadora de infâncias

uma educação adequada deve levar em consideração o contexto como sustentáculo educativo, e não mero cenário burocrático. Além disso, há de se atentar aos relacionamentos, valorizando como as crianças aprendem, ao contrário de enaltecer aquilo que desconhecem. O foco também deve voltar-se às oportunidades, não somente expectativas adultas, que por sua vez ignoram a compreensão profunda e epistemológica de como aprendem, muito além dos cenários prescritivos e circunscritos que, por sua vez, desconsideram os complexos caminhos de mobilização interna.

Os pequeninos já nascem com a capacidade de maravilhar-se com a beleza da realidade, necessária para aprender, porque o próprio cérebro humano está preparado para conectar-se às experiências sensoriais e interpessoais, não pelos estridentes discursos e explicações, mas pela mobilização da própria curiosidade.

Durante muitos anos, o modelo mecanicista triunfou por determinar socialmente onde cada criança necessita chegar e, atualmente, questionando o sistema educacional, precisamos repensar sobre quais as necessidades reais de nossas crianças, devolvendo-lhes o coprotagonismo na aprendizagem. Em primeiro lugar, torna-se necessário minimizar o espaço para os resultados pré-formulados, classificatórios e sistemáticos, que caracterizam um currículo especificamente voltado para fins, e não processos contínuos. Quando vislumbramos a criança em uma nova perspectiva, compreendemos a Educação Infantil como um rico ambiente para compartilharmos a vida cotidiana, que se inicia em espaços de referência como a própria sala, e criam enredos em outros locais, conectando-as, por exemplo, à própria natureza.

ESCOLARIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Para isso, precisamos fazer escolhas de consciência ética e política, apoiando as crianças nas suas experiências genuínas, considerando que o corpo todo se envolve no aprendizado, e não apenas as mãos e os olhos. O conhecimento deve ser vivenciado em condições de maior vivacidade e entusiasmo cultural, considerando, por exemplo, princípios citados por Morin, como transdisciplinaridade e co-participação, que não combinam com a aprendizagem solitária reduzida a papeis.

Nesse sentido, pensando especificamente na Educação Infantil, quando tomamos a nova Base Nacional Comum Curricular como referência, pode-se dizer que os campos de experiência possivelmente representem um avanço na valorização às relações e ludicidade, quando confrontadas às atuais áreas de conhecimento, que supostamente apresentam uma visão fragmentada de como as aprendizagens, nos tempos suspensos, rarefeitos e não lineares, se conectam. Não há mudança efetiva quando não se repensam as concepções, e isto implica em formação continuada, bem como valorização dos fazeres, e não das programações que inviabilizam a construção de cotidianidade. Em outras palavras, em nada valerá alterar um documento formal em cada escola tendo a Base como norte, se os educadores não buscam ressignificar a qualidade das próprias experiências escolares, questionando-as sucessivamente. É importante ter o documento como norte formal, mas o caminho compete ao campo escolar, de identidade intelectual própria.

Contudo, há muita inquietação quanto à conclusão do processo de alfabetização antecipado ao segundo ano do Ensino Fundamental, entendendo-se como uma fronteira com a Educação Infantil. Nesse sentido, a escola necessita cuidar da progressão curricular, atentando-se às rupturas, mas ao mesmo tempo acolhendo as necessidades socioemocionais das crianças em seus tempos próprios. A efetiva comunicação entre os níveis de ensino favorecerá que a experiência seja acolhedora, com desafios, mas ampla em oportunidades dialógicas.

 

ALFABETIZAÇÃO – O QUE DEMANDA ESTE PROCESSO?

Com a alfabetização, não é diferente. Antes de tudo, precisamos pensar que este é um processo que demanda condições cognitivas, um certo grau de maturação e de abstração, que são características de um pensamento mais reversível e, portanto, operatório. As crianças não podem ser classificadas como aptas ou não, dependendo de sua história, carregada de informações biológicas, maturacionais e motivacionais. Atualmente, não podemos pensar num processo de alfabetização com data determinada para a súbita estreia, mas consideramos o processo de letramento que respeita as experiências de vida e significância letrada desde que a criança é concebida. E essa criança deseja estar em contato com o mundo e conhecer seus códigos comunicativos.

 

ALFABETIZAÇÃO PRECOCE E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Uma alfabetização precoce pode ser entendida como aquela que desconsidera desde a creche os momentos de cada criança, compreendendo-a como um mecanismo unicamente transmissivo, não afetivo, externo, que não considera os tempos da infância, suas hipóteses e interrogações, mas insiste em determinar o que deve ser internalizado. Muitas vezes essas práticas podem ser observadas em exercícios repetitivos, sem sentido, com alto grau de abstração, distanciando-se do próprio universo infantil e desconsiderando a arquitetura do seu desenvolvimento e pensamento sincrético e autocentrado. E a aceleração traz implicações na própria aprendizagem, pois etapas anteriores e estruturantes podem ser suprimidas, interferindo diretamente na motivação e autoestima. Quando silenciamos as linguagens da criança, anulamos seus percursos de aprendizagem, podendo correr o risco de dificultar a potência de seu aprendizado.

A criança é naturalmente ávida por crescer, desenvolver-se, e o desenho, a arte, é sua primeira forma de comunicação escrita e registrada. A criatividade qualifica seu pensamento, e a ludicidade, a repertoria simbolicamente.


 

Para escrever, ela necessita de um discurso elaborado, para que a função comunicativa da linguagem, cerne da escrita, se preserve. Por isso, muitos sistemas mecanicistas verificam crianças alfabéticas, mas sem referenciais verdadeiramente letrados prévios, sem repertório literário amplo. E, outras, pequeninas, com amplo discurso, repleto de conectores, surpresas vocabulares, não são formalmente alfabéticas, mas demonstram competência discursiva e conhecimento letrado admirável.

 

O QUE É PRECISO OBSERVAR

Então, para que escrevam, há de se atentar a etapas prévias, como o próprio desenho e o simbolismo do pensamento, bem como a ampliação dos gêneros e tipologias literárias. Textos coletivos, bilhetes, convites, acesso a adultos escribas de rico vocabulário, literatura qualificada, ambiente letrado são exemplos de encorajadores do discurso, fortalecedores do significado real da necessidade de escrever. E, aos poucos, a criança desejará registrar seu nome, que é um texto estável, referencial potente para sustentar outras regularidades de escrita, comparando-o a de seus colegas, questionando sobre as letras similares, tentando representar sons que lhes são familiares. Neste momento, há indícios de que a escrita lhe interessa verdadeiramente, e que intervenções construtivas são favoráveis para o conflito cognitivo.

 

DEVEMOS NOS RECORDAR QUE A EDUCAÇÃO INFANTIL É

ESCOLARIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

uma etapa que deve caracterizar a interrogação da própria vida, com pesquisa, encantamento, sentido e, principalmente, evidenciando o papel privilegiado do brincar, vivida plenamente, sem transformar-se num cenário adultocêntrico, mas sim, num espaço relacional e altamente educativo.

Necessitamos ajudar nossas crianças a compreender o mundo e a si mesmas neste universo, dando-lhes amplas oportunidades de aprendizagens significativas, cercando-as de beleza.

 

Nossos agradecimentos a participação de Katherine Stravogiannis.

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Abraço caloroso

Ana Lúcia Machado

 

[1] É coordenadora pedagógica, acompanhando a formação docente, desenvolve cursos e assessorias pedagógicas, atua na Educação Infantil há mais de 15 anos. Licenciada em Letras, alemão e português pela USP, pedagoga e psicopedagoga pela CEUCLAR, especialista em Educação Infantil pela FACEI, em relações interpessoais e autonomia moral na escola pela UNIFRAN, em Neuropsicopedagogia e mestranda em Ciências da Educação pela UNIGRENDAL. Já participou de diversos cursos de extensão na área do bilinguismo e educação contemporânea, bem como formações continuadas no Brasil e exterior, mantendo o site educacional Pedagogia e Infância (www.pedagogiaeinfancia.com.br)