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5 LIVROS QUE TODO EDUCADOR DEVERIA LER NAS FÉRIAS – O 3º É MEU FAVORITO

5 livros que todo educador deveria ler nas férias - o 3º é meu favorito

Corra, ainda dá tempo de saborear um dos 5 livros que todo o educador deveria ler nas férias -o 3º é o meu favorito. Você vai saber a razão.

Ler é transformador e libertador, é como um encontro com um velho amigo, recheado de lembranças reavivadas, revisões, e também descobertas. Ao mesmo tempo, é mergulho em si mesmo, é contemplação de um horizonte, é sair de si e enxergar o mundo sob outra perspectiva.

Ter nas mãos o livro desejado, apreciar sua capa, espiar devagarinho as primeiras palavras, folhear as páginas em toque acariciante, respirar fundo o cheiro do papel.

Leitura é ritual sagrado. É devorar com apetite a narrativa alheia; é invasão, permitida, de privacidade com a possibilidade de complementação com imagens próprias. É também deixar-se invadir.

Sem pudores, ao ler, destaco frases, às vezes parágrafos inteiros, sublinho palavras. Como que gritando para mim verdades ocultas, vou anotando sentimentos na tentativa de apreender insights.

Ler é lambuzar-se, é contaminar-se de novas ideias, é se deixar levar, transformar. As palavras são vivas e ao recorrer a um livro na prateleira amarelado pelo tempo, não sei mais distinguir os limites do território, até onde sou eu, até onde é o outro.

O destaque aqui é para 5 livros que todo educador deveria ler nas férias

As publicações selecionadas são de extrema sensibilidade, revelam o olhar inaugural da infância. Trazem  vigor e compreensão  a respeito da essência da criança e suas verdadeiras necessidades.  Trata-se de um mergulho em águas revitalizantes, pois à medida que adentramos no quintal de outras infâncias, nos reencontramos com a criança que nos habita.  Aproveite as férias e boa leitura

5 livros que todo educador deveria ler nas férias - o 3º é meu favorito

1º) Quando eu era menino, Rubem Alves

Este livro é um passeio gostoso pela infância desse ilustre teólogo e educador. Num tom de uma boa prosa mineira, somos introduzidos num  tempo em que nada se comprava pronto, as mãos humanas eram hábeis na feitura de tudo: pão, roupa, brinquedo, etc. No relato sobre como as coisas eram feitas no seu tempo de menino, o autor nos permite sentir  a riqueza existente na vivência dos processos.

No decorrer das muitas crônicas aqui reunidas, somos estimulados a percorrer nossas próprias lembranças, e perceber que a curiosidade e ânsia por conhecer o mundo,  é da natureza da criança de todos os tempos.

 

2º) As pequenas memórias,  José Saramago

Alinhavando lembranças de infância e adolescência, José Saramago resgata as paisagens verdejantes, rios, histórias familiares, personalidades marcantes que influenciaram a sua. Nessas histórias estão também os fantasmas imaginários que atormentaram sua infância.

No retorno às pequenas memórias – o começo da vida, o autor revive sensações, medos, alegrias, humilhações,  consciente que este cenário foi o pano de fundo do seu próprio enredo.

 3º) Memórias Inventadas  A Infância, Manoel de Barros

Manoel de Barros será sempre um  poeta-menino deslumbrado com as miudezas e simplicidades do mundo, a encantar-nos com suas primeiras  memórias. A cada conto, o autor reafirma a importância da imaginação na primeira etapa da vida.

Suas memórias foram plasmadas pela intimidade com o mundo natural, e chega a nos surpreender a capacidade do menino de comungar com a natureza ao ponto de fazer-se rio, pássaro, árvore. Para ele tudo tem vida – pedras, plantas, animais –  e ele  percebe a interdependência entre os seres viventes. É o mundo vida apresentado com reverência e sentimento de pertencimento.

Leia também: Como fazer do meu filho um futuro leitor 

Quando eu voltar a ser criança, Janusz Korczak

Um clássico, escrito pelo médico e educador Janusz Korczak. É a autêntica e genuína pedagogia da escuta. Poucos educadores ao longo da história foram capazes de demonstrar tamanho conhecimento da alma da criança como o Dr. Korczak, além de amor e respeito a ela.

Neste livro, o autor volta a ver o mundo com olhos de uma criança e como tal revive sensações, tristezas, desencantos de um mundo feito, pensado e controlado por adultos, tornando-se potente porta voz da infância.

Dr. Korczak dedicou sua vida as crianças. Por ser judeu, foi confinado no Gueto de Varsóvia durante a ocupação dos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Teve a oportunidade de fugir com documentos falsos, entretanto recusou para ficar com as crianças até o fim, quando foi deportado, junto com cerca de 200 crianças e outros educadores, para o campo de extermínio de Treblinka, onde foi assassinado.

 

5º Retratos da Infância na poesia brasileira, Marcia Cristina Silva

Lançado o ano passado, este livro é um presente para os amantes da poesia e da infância. Trata-se de um panorama da infância por meio da poesia brasileira, desde o Romantismo até os dias atuais.

Um passeio pelas paisagens de infância de grandes poetas: a de Casimiro de Abreu, Olavo Bilac, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Adélia Prado, entre outros. É uma recriação da infância através da poesia.

 

A FORÇA DA INFÂNCIA

Acessar as lembranças de infância traz renovação, energia  e criatividade. Reconectar-se com a criança interior, auxilia no relacionamento e educação dos filhos, na compreensão e vínculo com alunos.

Nessa trajetória podemos descobrir que existe uma memória imaginária que devemos explorar,  sem a necessidade de ater nos a fatos reais na linha do tempo.

 A infância ultrapassa esses limites e avança para uma memória reinventada, pois aquele que recorda não é mais o mesmo que vivenciou tudo aquilo. O vivido, o sonhado e imaginado se fundem, fazendo renascer a força de nossa infância.

Vamos lá, aproveite para ler nas férias!  E quando as aulas começarem, continue lendo. Leitura é para o ano todo, não é mesmo?

Abraço carinhoso

Ana Lúcia Machado

 

 

 

 

 

COLECIONADORA DE INFÂNCIAS – para que servem as lembranças da infância?

colecionadora de infâncias

Sou colecionadora de infâncias. Isso mesmo, coleciono  primeiras memórias. Tenho em minha coleção a infância de muitas crianças. Entre elas a de Rubem Alves, Fernando Sabino, Manoel de Barros, Lya Luft, Érico Veríssimo, José Saramago, Pablo Neruda , e outras. A lista é grande.

Colecionadora de infâncias

Recentemente entraram na minha coleção as passagens marcantes da infância de Antonio Prata, descritas em seu livro “Nu, de botas”. Não haveria melhor maneira para iniciar suas memórias do que  “No princípio, era o chão”. É deste patamar que a criança começa a enxergar o espetáculo do mundo  e apreendê-lo.

Para nós adultos, é difícil entender a lente pela qual as crianças veem o mundo. Porém, se conseguirmos exercitar nossa visão, teremos diante de nós a chance de nos reencantarmos com as coisas simples da vida.

 

colecionadora de infâncias

Janusz Korczak, pediatra e educador (1878-1942), profundo conhecedor da alma da criança, advertia aos que se declaravam cansados do convívio com crianças dizendo:

 – Vocês dizem ainda: “Cansa-nos porque precisamos descer ao seu nível de compreensão”. Descer. Rebaixar-se, inclinar-se, ficar curvado. Estão equivocados. Não é isso o que nos cansa, e sim o fato de termos de elevar-nos até alcançar o nível de sentimentos das crianças. Elevar-nos, subir, ficar nas pontas dos pés, estender a mão. Para não machucá-las”.

Nesta coleção, em primeiríssimo lugar está  a minha própria infância, a menina que fui, que permanece em mim e continuo sendo, pois a infância não é um tempo perdido, continua a existir e reverberar ao longo da existência, como afirma Franz Hellens  ao dizer: “A infância não é uma coisa que morre em nós e seca uma vez cumprido o seu ciclo. Não é uma lembrança. É o mais vivo dos tesouros e continua a nos enriquecer sem que o saibamos”.

Não se trata de romantizar a infância, nem de ser nostálgica, trata-se apenas de significá-la, dando lhe o devido valor. Infância é fundamento, base da vida, terreno sob o qual erguemos nossa existência, daí sua relevância. Infância faz parte da gente e deve estar sempre à mão para ser lembrada. Talvez se políticos, pais, educadores, toda  a sociedade, tivessem a consciência da sua importância, daríamos maior atenção ao começo da vida, haveria maior investimento por parte dos governos para o cuidado com a primeira infância.

Colecionadora de infâncias

MAS PARA QUE SERVE RECORDAR A INFÂNCIA?

Para responder esta pergunta, recorro a uma das mais enigmáticas infâncias da minha coleção, a infância de Binjamim Wilkomirski. Binjamim,  que teve sua infância nos atribulados anos de 1939 à 1948, vivendo os horrores dos campos de concentração nazista, surpreende ao dizer que “Quem não se lembra de onde vem jamais saberá ao certo para onde está indo”.  Suas memórias estão relatadas em um pequeno livro intitulado “Fragmentos”.

Partindo deste aspecto norteador das memórias de infância,  quero compartilhar uma experiência desta semana. Em uma reunião  numa escola, conversando com  a diretora  e proprietária da instituição, para falar do projeto Playoutside – alegria de brincar na natureza, me chamou muito a atenção um comentário feito por ela  dizendo que os pais atuais dão a impressão de terem se esquecido de sua própria infância.

As memórias de infância são grandes aliadas no processo de educação dos filhos. Elas dão força e ao mesmo tempo nos tornam mais sensíveis ao universo infantil, por nos aproximar da essência da criança.

Enquanto as crianças são pequenas e crescem, temos diante de nós a oportunidade de revivermos nossa própria infância. É um período rico de crescimento para os pais também,  pois a maternidade e a paternidade são uma construção contínua. Quando a criança nasce, o ser mãe, e o ser pai,  nascem juntos. Vamos amadurecendo e nos desenvolvendo como pais à medida que o bebê vai crescendo.

A lembrança que carregamos da nossa eterna criança, enriquece a relação com os filhos. Recordar nossas brincadeiras favoritas, as histórias que ouvíamos, o que gostávamos de comer, é uma fonte inesgotável de prazer e alegria. Trata-se de uma ferramenta poderosa que podemos usar no dia a dia com as crianças.

Com essas lembranças revivemos sentimentos imbuídos de força que nos ajudam a seguir com a tarefa desafiadora de educar. Resgatar esses sentimentos ativa nossa intuição e nos torna mais confiantes. Mais do que dicas de livros que nos sugerem como agir com os pequenos,  o que realmente precisamos é nos ancorar na sabedoria que carregamos dentro de nós por meio de nossas próprias experiências como adultos e crianças.

Diante do novo, do desconhecido que se apresenta à nossa frente ao longo do desenvolvimento da criança, é preciso se permitir o estado de dúvida e o tempo de amadurecimento das respostas. Não existe resposta pronta, imediata, como receita de bolo, pois cada criança é singular e a resposta vem da relação com a própria criança, é o que orienta a psicanalista Julieta Jerusalinsky. Como especialista em clínica infantil, a psicanalista faz uma séria advertência dizendo que “os pais nunca estiveram tão destituídos do saber como estão na atualidade”.

Podemos afirmar que nossas memórias de infância tem a função de guardiã e facilitadora  da infância de nossos filhos, ativando nosso lado intuitivo e resgatando nossa confiança.

Mas, os benefícios que tais lembranças  trazem, não param por aí. No livro “Criança brincando! Quem a educa?”,  a pedagoga Luiza Lameirão aponta outros aspectos positivos que essas recordações  podem oferecer:

 

 colecionadora de infâncias

 

 

Sendo assim todos saem ganhando, pais e filhos.

Gaston Bachelard, filósofo e poeta francês, fala que “o devaneio voltado para a infância nos restitui à beleza das imagens primeiras”, faz do agora um tempo mais belo.

Compartilho aqui  pequenos fragmentos da minha coleção que remetem ao chão da criança, lugar onde pais e educadores devem se colocar para respeitar o tempo e espaço delas:

 

“No piso do quintal, ladrilhado com cacos de cerâmica vermelha, via um elefante de três pernas, um navio, um homem de chapéu fumando cachimbo. Na manhã seguinte, as imagens haviam mudado: o homem de chapéu era um bolo mordido; o elefante, parte de um olho enorme – a tromba, um cílio -; o navio zarpara, deixando para trás apenas cacos de cerâmica vermelha no piso do quintal”. Antonio Prata em Nu, de botas

 

“…Deitada no assoalho de tábuas claras enceradas. Frescor de madeira contra pernas e peito. Espio embaixo de um móvel.

Sempre aquela tentação de procurar o escondido. O desejo da surpresa e o desinteresse pelo evidente demais.

Poeira e sombra. Movimento rápido, vento num rolo de poeira e fios. Vou descobrir, vou entender, vou tocar aquilo que se move e ali me chama. Algo cintila no escuro : um caco de vidro, um tesouro…um olho espiando? Eu sei, tenho certeza de que não é apenas um novelo de poeira e fios: está vivo e será meu.

Mas quando o estou quase alcançando chegam os passos rápidos da mãe onipresente, e o encanto se desfaz:

-Levanta daí, vai se sujar de novo, você acabou de tomar banho! Lya Luft em Mar de dentro

 

“Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua  vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores.” Manoel de Barros em Memórias inventadas

 

 “Naquele dia, assim que a chuva passou, fui como sempre brincar no quintal. Descalço, pouco me incomodando com a lama em que meus pés afundavam, gostava de abrir regos para que as poças d’água, como pequeninos lagos, escorregassem pelo declive do terreiro, formando o que para mim era um caudaloso rio. E me distraía fazendo descer por ele barquinhos de papel, que eram grandes caravelas de piratas.

Desta vez, o que me distraiu a atenção foi uma fila de formigas a caminho do formigueiro, lá perto do bambuzal, e que o rio aberto por mim havia interrompido. As formiguinhas iam até a margem e, atarantadas, ficavam por ali procurando um jeito de atravessar. Encostavam a cabeça umas nas outras, trocando idéias, iam e vinham, sem saber o que fazer. Algumas acabavam tão desorientadas com o imprevisto obstáculo à sua frente que recuavam caminho, atropelando as que vinham atrás e estabelecendo na fila a maior confusão”. Fernando Sabino em O menino no espelho

 

Está lançado o desafio: exercite o recordar de sua infância e perceba o efeito que isto pode produzir em você mesmo e ao seu redor.  Isso vale também para os professores. Bom trabalho! E se quiser deixar nos comentários abaixo algumas de suas lembranças de infância, será uma alegria te incluir nesta coleção.

“O menino é pai do homem”.

William Wordworth

 

Abraço carinhoso

Ana Lúcia Machado