A educação ecológica começa com a educação dos sentidos no decorrer da infância.
Estamos diante de uma geração de analfabetos ecológicos – crianças cada vez mais afastadas do mundo natural, que desconhecem a procedência dos alimentos que levam à boca. Acham que o leite vem da embalagem Tetra Pack. Não sabem que o bifinho é a carne do boi abatido de forma violenta. Não sabem nem identificar as frutas e legumes comuns da culinária do dia a dia.
Esta é uma geração que passa a maior parte do dia confinada em ambientes fechados, distantes da luz do sol, do contato com a natureza e que conhece o reino mineral, vegetal e animal por meio das telas de cristal líquido.
O documentário Muito além do peso de 2012, disponível na plataforma *Videocamp, aborda o tema da obesidade infantil e aponta a ignorância das crianças em relação aos alimentos produzidos pela terra. O fime mostra como as crianças confundem mamão com abacate, beringela com rabanete, e não são capazes de identificar uma abobrinha, um pimentão, uma beterraba, etc.
Entretanto ao apresentar à elas as embalagens de “alimentos” ultraprocessados, reconhecem de imediato as marcas e logo dizem o nome desses produtos, chegando ao absurdo de identificarem a batata apenas pelo pacote de salgadinho frito.
No livro Desemparedamento da infância, uma professora da Educação Infantil da cidade de Novo Hamburgo (RS), relata uma história alarmante. Ela e sua turma, por falta de área verde na escola, passaram a frequentar um espaço arborizado da igreja vizinha à instituição educacional. Assim que começaram a desfrutar do amplo gramado repleto de árvores frutíferas, era a época final do ciclo das frutas e haviam muitas caídas de maduras pelo chão. As crianças ao verem as laranjas espalhadas pelo gramado, ficaram indignadas e perguntaram: -Quem jogou as laranjas no chão? Elas não fizeram relação entre a laranjeira e as laranjas caídas no gramado.
Será que não chegamos ao ápice da desconexão com a vida?
Vivemos como nunca antes um distanciamento entre homem e natureza, e consequente ruptura com processos de vida. Até 2050, segundo dados da ONU, 66% da população mundial se concentrará em centros urbanos. No Brasil este percentual já está na ordem de 84%. Um dos resultados desse êxodo rural é que vivemos como se não fizéssemos parte da natureza e como se dela não dependesse nossa sobrevivência.
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EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS VERSUS EDUCAÇÃO ECOLÓGICA
A natureza é o espaço de pertencimento da criança, de suas raízes com a Terra. A partir da relação com o mundo natural, um mundo que exala aromas, floresce, frutifica e emite sons nativos, por meio do próprio corpo e sentidos, a criança apreende os princípios que regem a vida na Terra – seus ciclos de nascimento e morte, fluxos, processos dinâmicos, e aprende brincando, na linguagem da infância.
Como podemos reaproximar a infância ao mundo natural?
Estimular todos os sentidos da criança com formas primordiais, substancias vivas, e materiais orgânicos é fundamental para restabelecer esta conexão.
Essa reaproximação pode iniciar pela boca, por meio de uma alimentação saudável. Comece substituindo as idas ao supermercado com as crianças nos fins de semana pelas compras em feiras livres. Sim aquelas onde os feirantes anunciam aos berros os preços promocionais das baciadas de chuchus, mandioquinhas, pimentões e que gentis oferecem generosas fatias de melancia, abacaxi, melão, para degustação. Ali as crianças aprenderão de forma divertida, com a simpatia dos feirantes, os nomes das frutas e legumes e experimentarão alimentos que em casa recusam dizendo não gostar sem nunca ter provado.
Depois troque o pedido de comida por aplicativo no sábado à noite pela ocupação da cozinha por toda a família. A cozinha é lugar de encantamento, de memórias afetivas e de riqueza de estímulos sensoriais – as formas e texturas, as cores dos alimentos, os aromas e sabores.
Convide as crianças para ajudar a preparar as refeições. Elas poderão descascar, lavar, misturar, amassar e sentir o delicioso aroma dos temperos enquanto a comida está no fogo. Dá mais trabalho? Leva mais tempo? Sim, com certeza, mas o resultado torna compensador todo o esforço.
ONDE A VIDA PULSA E ACONTECE AO VIVO
Proporcionar e incentivar o brincar livre das crianças em áreas verdes é também fundamental para a relação da criança com a natureza. É algo simples, acessível, custa pouco, gera alegria e um profundo sentimento de ligação e interdependência entre os seres viventes. Brincar na natureza em contato com os elementos é em essência criar raízes com a Terra.
Experimente levá-las ao parque e fazer uma caminhada atentos ao assobio do vento, ao canto dos pássaros. Aos poucos isso gera uma quietude que permite até ouvir a própria respiração, o ar que entra e sai dos pulmões. Que outros sons é possível escutar? Talvez o barulho dos passos das crianças ao pisar em folhas secas. Permita também que elas fiquem descalças para sentir a energia natural da terra. Que sensação tudo isso traz?
Caminhe de olhos bem abertos deixando que cada investigação das crianças, cada minúcia do percurso se transforme em assombro, em suspiros de encantamento.
Rubem Alves disse que “o ato de ver não é coisa natural, precisa ser aprendido”. O olhar precisa ser apurado para permitir que a alma infantil registre as imagens grandiosas da vida que pulsa. Para que elas possam ir além dos limites dos matizes dos lápis do estojo escolar.
Saiba que toda criança é um pequeno cientista. O contato com a natureza propicia a observação de formigas, lagartas, minhocas, musgos, líquens – diversos seres vivos fascinantes para a essência curiosa e exploratória das crianças. Dê à elas a oportunidade de colher pelo caminho folhas, flores, sementes, galhos, pedras, e com esses achados inventar brinquedos e brincadeiras divertidas.
Devemos ser zelosos quanto ao mundo que apresentamos às crianças. Raffi Cavoukian, ativista da infância, fundador do Centre for Child Honouring, fala que “nenhuma tela de computador vai dar a criança uma brisa suave de verão nem o aroma da primavera, e nenhum toque que realmente emocione virá de representações artificiais do mundo.
Como experimentar a sensação refrescante de uma árvore depois de horas ao sol se não de maneira real, sentido na pele a alternância do quente para o frio? Como apreciar o cheiro de terra molhada se não andarmos sobre ela após a chuva? Como conhecer o aroma do eucalipto se não partirmos um galho com as mãos? Experienciar no mundo real é primordial para uma aprendizagem positiva e verdadeira.
Daí advém a atitude ética do cuidado com o meio ambiente. A criança em contato com o mundo natural é o potencial cuidador e preservador da natureza porque em seu corpo haverá registros dessa interação.
A primeira infância é o período mais importante para o trabalho educativo de base. A verdadeira educação ecológica tem início nesta etapa da vida. Dá-se por meio de experiências vivas e reais em ambientes ricos em áreas verdes.
A educação ecológica está diretamente ligada à educação dos sentidos. Acontece à luz do sol, ao contemplar do arco-íris depois de uma forte chuva de verão, no comer das frutas colhidas no pé, no alcançar o galho mais alto de uma árvore, sentindo a aspereza do seu tronco, e a lisura das suas folhas, no chapinar das poças d’água, no sentir a força do vento ao colocar no alto a pipa colorida.
Pouco podemos esperar de um adulto que não teve contato com a natureza na infância em termos de consciência de preservação ambiental, pois só cuidamos e amamos aquilo que conhecemos, com o qual temos algum vínculo de afeto.
Devemos nos conscientizar de que tanto a família quanto a escola desempenham um papel fundamental no estabelecimento e incentivo da conexão das novas gerações com a natureza.
Vivenciar o mundo natural de maneira lúdica e artística, é o caminho para a educação ecológica e da formação de uma nova geração de guardiões da natureza. Todo empenho no sentido da preservação ambiental será em vão caso não se restabeleça a relação da infância com a natureza e se cultive uma existência harmônica entre todas as espécies viventes.
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Ana Lúcia Machado
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