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papilas gustativas

DO FAST FOOD AO VIAGRA, ONDE FICAM OS PROCESSOS?

NOVOS PARADIGMAS PARA A EDUCAÇÃO

Sou neta e filha de mineira, porém minha mãe veio para São Paulo bem pequena e daqui não saiu mais. Minha avó, Alice, como boa mineira, cozinhava comidinhas deliciosas. Lembro que acompanhava seus movimentos na cozinha, e me encantava com o trabalho das suas mãos hábeis e ágeis. Ninguém fazia croquetes de carne como ela. Nunca mais provei igual. Adorava seus bolinhos de arroz, era fã das suas panquecas de carne, mas os doces eram sua especialidade: arroz doce, doce de abóbora, e o famoso doce de leite.

Na cozinha da Vovó

Nas minhas lembranças de infância, guardo viva a imagem dela preparando esta delícia. Vovó colocava na panela o leite condensado, a manteiga, o cocô ralado, e o açúcar. Com a colher de pau mexia, mexia um tempão! Quando finalmente a mistura ficava mais encorpada, ela retirava do fogo e despejava aquela massa sob a pia de mármore esticando-a. Hum! Aquele cheirinho gostoso que se espalhava pela cozinha, aguçava as papilas gustativas e lá corria eu para raspar a panela e lamber a colher de pau.

Depois de horas, quando a massa já havia esfriado, vinha o momento que eu mais gostava. Vovó virava uma artista, e com uma faca enorme, cortava o doce em losangos, em tamanhos iguaizinhos! Depois colocava num pote de vidro transparente e guardava no armário da cozinha. Porém rapidamente aquele pote esvaziava-se. Os netos todos, vovô, minha tia, davam conta rapidamente de acabar com tudo.

do fast food ao viagra

 

Ah que saudade da cozinha da vovó!

Hoje em dia entregamos a feitura de quase tudo para as máquinas, desde a comida, até a roupa, incluindo brinquedo e muitos outros artigos. As gerações mais novas não imaginam como as coisas são realmente feitas, e com isso hoje ninguém mais vivencia os processos da feitura das coisas.

 

 

Quando completei 15 anos…

Minha mãe fez uma festa para mim. Ela que sempre foi uma mulher de muitos talentos, também costurava e foi quem confeccionou meu vestido. Pesquisamos vários modelos em uma revista de moda. Depois de escolhido um lindo modelo e definida a cor, saímos para comprar o tecido, e os aviamentos. Mamãe copiou o molde no papel, recortou-o, e cortou o tecido com base no molde. Alinhavou umas partes, outras alfinetou, e assim fiz a primeira prova do vestido. Foram várias provas e algumas alfinetadas também, até que ficou pronto o vestido mais lindo do mundo!

Enquanto mamãe foi costurando, eu fui sonhando com o vestido finalizado e com o dia da festa. Cada etapa do processo de confecção do vestido foi aos poucos me preparando para o grande dia. Todo este tempo de espera que durou várias semanas, teve grande importância para o amadurecimento dos meus sentimentos e emoções. Vibrei e saboreei todo este processo tanto quanto o dia da festa, que foi inesquecível.

Entretanto, hoje nos distanciamos dos processos em todas as dimensões da vida. Tudo vem pronto. Na alimentação não descascamos mais nada, desembrulhamos tudo, apenas temos o trabalho de tirar das embalagens e das caixinhas aquilo que consumimos. No vestuário, com a proliferação das roupas produzidas em escala, em países como a China, basta olhar as centenas de vitrines dos shoppings center, em seguida apontar a roupa para a atendente de uma loja de departamento, sacar o cartão de crédito e horas depois ir para a festa de roupa nova.

A sociedade atual “beneficiada” cada vez mais pelos avanços tecnológicos, esqueceu-se de algo tão salutar para o desenvolvimento humano: a importância dos processos. O pensamento e o sentimento estão contidos nos processos do fazer. O pensamento entra em ação, o sentimento desperta, e tudo se encaixa num trabalho conjunto que vai aos poucos sofrendo pequenas transformações. Numa sequência de etapas, acontece a preparação até chegar a  prontidão. Os processos possuem um sentido educativo e terapêutico também. Neles há um mistério, uma magia e encantamento.

O processo é tão importante quanto o resultado final. No decorrer dele vamos ganhando confiança, nos tornando mais seguros, com a superação de medos e angústias. Amadurecemos ideias e sentimentos. É durante o processo que experimentamos, acrescentamos, lapidamos, cortamos arestas e mudanças vão acontecendo.

É importante que a criança vivencie os processos para perceber que nada chega pronto. E COMO FAZER ISSO? Podemos inseri-la na rotina das tarefas do dia a dia, permitindo a participação no preparo das coisas. A cozinha é um ambiente rico de vivências de processos, com o preparo das refeições, lanches. É importante chamar a criança para fazer junto, delegar pequenas coisas que ela possa fazer sozinha, como misturar os ingredientes de um bolo, peneirar farinha, etc…

O cuidado com o jardim é outra atividade cheia de sentido para a criança, que ficará  alegre ao plantar e acompanhar o germinar de uma semente, regá-la, e observar seu crescimento.

crianças-cuidando-do-jardim

Algumas brincadeiras também podem propiciar a vivência de processos, como atividade com argila. Após o manuseio da massa e de dar a forma desejada a ela, é preciso esperar que  seque e em alguns casos é necessário levar ao forno, para só então poder pintá-la.

Porém, desaprendemos a esperar o tempo de amadurecimento das coisas, nossa sociedade imediatista, na ânsia da realização instantânea dos seus desejos, suprimiu até mesmo a fase de sedução entre os amantes, onde a visão despertava o desejo, que tomava conta do sentimento e sequências estimuladoras de hormônios eram desencadeadas, até que, tanto o corpo feminino dava sinais que estava pronto para o enlace amoroso, como o corpo masculino também aos poucos percorrendo seu caminho, culminava na prontidão. Hoje basta uma pílula para garantir subitamente o prazer.

Do fast food ao Viagra, os processos foram deixados para trás, bem como a beleza das paisagens do trajeto até o destino final. Paisagens que alegravam e nutriam a alma, não existem mais. Economizamos no tempo da viagem, com certeza, todavia empobrecemos o percurso. Vale a pena refletir sobre o que ganhamos e perdemos com isso.

Abraço carinhoso

Ana Lúcia Machado