Há muito tempo convivemos com uma forte crise do sistema educacional. Um a cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no Brasil, abandona a escola antes de completar a última série, segundo dado do Relatório de Desenvolvimento 2012, divulgado pelo Pnud – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) , 1,3 milhão de jovens entre 15 e 17 anos, deixaram a escola sem concluir os estudos, dos quais 52% não concluíram sequer o ensino fundamental.
Passados mais de seis meses sem aulas presenciais, suspensas para conter o avanço da pandemia, a crise se agravou, o que nos obriga rever nosso modelo de escola e buscar novos paradigmas para a educação.
RETOMADA DAS AULAS PRESENCIAIS
Como retornar a escola de modo seguro?
Muitos países da Europa e da Ásia já retomaram as aulas presenciais com protocolos que incluem a aferição de temperatura na entrada, utilização de máscaras e álcool gel, janelas abertas para ventilação, distância de 1.80 m entre as carteiras, e até mesmo divisórias de plástico para separá-las. Algumas escolas acomodaram as carteiras em quadras esportivas enquanto outras estão realizando aulas ao ar livre.
Isso nos remete ao início do século 20, quando as aulas ao ar livre transformaram-se em um movimento que se espalhou pela Europa e pelos Estados Unidos como medida de combate a tuberculose. Essa solução, adotada na época, pode servir de inspiração na busca de alternativas que permitam a retomada das aulas presenciais.
Neste processo de reabertura das escolas podemos também tomar como referência as Escolas da Floresta – escolas que existem há muito tempo nos países nórdicos. Surgiram na década de 50 na Dinamarca , expandiram-se pela Europa e desde então tem se multiplicado pelo Canadá, Estados Unidos e até em alguns lugares da China.
As Escolas da Floresta são uma alternativa às escolas de educação infantil tradicionais. Elas reconhecem o potencial educador da natureza e buscam proporcionar uma experiência de aprendizagem ao ar livre para as crianças. As atividades educativas são realizadas no meio da floresta. Não existem salas de aula, nem instalações que delimitem o espaço. As crianças aprendem de maneira lúdica desfrutando uma experiência única. Conheça algumas escolas pelo mundo AQUI
Esse contato com a natureza promove inúmero benefícios – permite atividades diversificadas que exploram e incentivam a comunicação, imaginação, construção do pensamento, confiança e resiliência.
“As escolas de educação infantil, enquanto ambientes de circulação e produção de culturas, têm como função primordial ajudar as crianças a manterem e ampliarem seu vínculo com a Natureza, propiciando experiências nas quais elas possam conviver com as plantas, as árvores, os animais, as águas, as chuvas, as pedras, o vento, o fogo, participando, interagindo prazerosamente, sentindo, aprendendo.” – A criança e a natureza, Izenildes Bernardina de Lima
Fato é que a retomada das aulas presenciais está diretamente ligada à capacidade transformadora das escolas, ao reconhecimento de outros territórios de aprendizagem – espaços públicos ao ar livre, ambientes abertos, a descoberta da comunidade no entorno da escola, etc.
Sabemos que muitas escolas não possuem áreas externas para oferecer experiências ao ar livre. Essas escolas precisarão pensar em alternativas de acesso a locais além de sua sede. A COVID-19 é o empurrão que está fazendo com que os educadores pensem em explorar outros territórios educativos. Sem dúvida este é um momento de profundas mudanças.
…as escolas estão sendo desafiadas a romper com o velho modelo de sala de aula entre quatro paredes com carteiras enfileiradas, e despertar para o potencial educador da natureza, reconhecendo outros territórios educativos como ambientes de aprendizagem…reconhecendo a educação como processo de viver e não preparação para uma vida futura. – Livro do Educador brincando com a natureza, Ana Lúcia Machado
Diante desse cenário tão desafiador, o programa Criança e Natureza do Instituto Alana, elaborou um documento com sugestões para uso de espaços públicos na retomada das aulas presenciais. O documento sugere a ocupação de parques, praças e clubes, com as turmas das crianças pequenas, como forma de evitar a aglomeração e promover o contato com a natureza, além de liberar o uso do espaço escolar interno para as crianças mais velhas e adolescentes .
A reabertura das escolas é um processo que implica em uma visão de todos os envolvidos nesta cadeia: alunos, famílias, professores, profissionais de apoio e prestadores de serviços. O debate para o planejamento da retomada das aulas presenciais deve ser amplo e considerar inúmeras questões. Dados desse documento apontam que a reabertura das escolas atinge 38,7 milhões de estudantes da rede pública municipal e 9,1 milhões de estudantes da rede privada, além de 2,7 milhões de docentes e cerca de 2 milhões de profissionais de apoio à atividade educacional.
APRENDIZAGEM AO AR LIVRE
As aulas ao ar livre têm sido discutidas em todo o mundo como alternativa para a retomada das aulas presenciais.
Por que não ensinar do lado de fora? A interação e exploração dos espaços abertos trazem oportunidades educativas muito mais efetivas e perduráveis para as crianças e jovens, é o que afirma a britânica Juliet Robertson, consultora educacional especializada em aprendizagem ao ar livre. Ela diz que todo o currículo pode ser ensinado fora da sala de aula.
Em seu livro ‘Educar fuera del aula’, Robertson apresenta ideias simples de aulas ao ar livre. Além disso, aborda os problemas práticos que acontecem quando se ensina em ambientes naturais. Ela diz que estar fora da sala de aula desperta todos os sentidos, de modo que os alunos adquirem uma compreensão das coisas por meio desses estímulos sensoriais.
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Em seus anos de experiência do lado de fora com as crianças ela afirma que aprender é um processo emocional e não apenas cognitivo. Sempre sente-se tocada com a expressão de encantamento dos alunos quando captam a conexão que há entre todas as coisas existentes na natureza, e constata, em relação aos professores, os resultados libertadores advindos da prática educativa ao ar livre.
O potencial educador dos espaços naturais é enorme, sem contar que é a maneira mais eficaz de estimularmos a apreciação e respeito pela natureza e todos os seres viventes, e de desenvolvermos uma compreensão de como podemos cuidar do nosso meio ambiente.
Se você achava que o único jeito de ser escola fosse entre quatro paredes, a partir de hoje mude sua concepção. Existe outro jeito de ser escola. A crise que estamos atravessando só está acelerando um processo que já estava em curso – o movimento de reconexão com a natureza.
…a escola precisa fundamentalmente religar os seres humanos e a natureza, sair, desemparedar, proporcionar vivências nos ambientes naturais, aprender com seus seres e processos. É preciso tornar mais verdes todos os ambientes, quebrar a identificação do lugar de aprender com a sala de aula, desligar do conhecimento exclusivamente racional para a sensibilização, para conhecer com todo o corpo, para o deixar-se afetar na relação de convívio com as demais espécies… – Tiriba & Profice, 2014
Existe um potencial transformador em tudo o que estamos vivendo. Não podemos desperdiçar esta oportunidade – já prá fora com as crianças. Estude, pesquise e experimente fazer diferente. Fica AQUI a dica de outras publicações que falam sobre educação ao ar livre. Deixo os parabéns às professoras e professores brasileiros que neste momento de tantas incertezas têm superado as limitações do distanciamento para viver com as crianças aprendizagens significativas.
Abraço caloroso e saúde
Ana Lúcia Machado