A inclusão social é um caminho sem volta. Como cidadãos do século XXI somos convidados a refletir questões fundamentais para o avanço de uma sociedade para todos, revendo conceitos, comportamentos, termimologias que se adequem às mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas.
As políticas de inclusão social surgidas entre o final dos anos 80 e início da década de 90, tiraram da condição de invisibilidade vários grupos que viviam excluídos, à margem da sociedade. Entre eles, as pessoas com síndrome de Down.
21 de março é considerado o Dia Internacional da Síndrome de Down. Datas como essa são importantes para a conscientização coletiva e contribuição em defesa da causa das minorias.
Neste ano temos muito a comemorar. O Alana Foundation, braço filantrópico do Instituto Alana, com sede nos Estados Unidos, fez uma doação de US$ 28,6 milhões ao MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), para estimular o desenvolvimento de novas pesquisas tecnológicas e multidisciplinares.
A doação deu origem ao Alana Down Syndrome Center, que envolverá o conhecimento de cientistas e engenheiros em uma iniciativa para aprofundar o conhecimento biológico e neurocientífico da síndrome de Down, tendo como diferencial o foco não na deficiência , mas nas barreiras que podem impedir que as pessoas com síndrome de Down desenvolvam competências práticas e sociais para participação nos sistemas educacional, profissional e na vida em comunidade. Esse investimento inaugura um novo tempo e representará um salto na qualidade de vida dessas pessoas a medida que as pesquisas avançarem.
Como prova do potencial humano, superação das dificuldades, e de que hoje um jovem com síndrome de Down que tenha sido estimulado desde o nascimento com o apoio familiar, pode traçar uma trajetória diferente de tempos atrás, apresentamos matéria publicada na revista Gol desse mês, assinada por Luisa Alcantara e Silva, e que conta a história da atriz Tathi Piancastelli. Tathi apregoa que todos somos diferentes e prova que sua condição é apenas uma peculiaridade do que ela é. Acompanhe a matéria na íntegra:
Tathiana Piancastelli tinha acabado de se mudar para Nova York com o pai e a mãe e buscava uma ocupação. Ficava zanzando pela cidade até que, encantada com as luzes da Broadway, lembrou-se de seu filme preferido, Mamma mia!, um musical, e decidiu escrever uma peça. Texto criado, mostrou-o à sua professora de teatro, que topou na hora levar aquela história aos palcos. Menos de um ano depois, a autora virou também protagonista do espetáculo Menina dos meus olhos, que estreou na cidade norte-americana em 2013.
Na obra, ela levanta uma questão fundamental nos dias de hoje: a inclusão de todos na sociedade. Tathi, como é conhecida, conta a história de Bella, garota com síndrome de Down que sofre violência apenas por ser quem é, até encontrar o amor. O trabalho é um mergulho em sua própria vida, já que a paulistana, hoje com 34 anos, nasceu com trissomia 21, condição genética causada pela presença integral ou parcial de uma terceira cópia do cromossomo 21. “A síndrome é um detalhe em mim. Tirando isso, o resto é tudo igual”, diz ela. “Não quero que as pessoas achem que quem tem essa condição genética é apenas isso. Eu e todo mundo queremos ser tratados de forma normal”, afirma Tathi. É com esse objetivo que ela trabalha: para que a sociedade pare de olhá-la com pena ou curiosidade, por exemplo, ou tratá-la de forma diferente. “Eu não sou especial. Parem com isso.”
Sua professora de teatro em Nova York, a atriz e diretora Debora Balardini, seguiu naturalmente essa recomendação. “Quando decidi montar o texto, só falei que era obrigação da Tathi me dizer qualquer coisa que não entendesse, assim como eu falo para qualquer outro ator que vem aqui”, lembra. O texto, em cinco páginas, não tinha nenhuma pontuação, e assim foi mantido. Para a diretora, era importante manter a “voz original da autora, não colocar o texto naquele formatinho que todo mundo segue”. Além de respeitar Tathi, Debora aumentou o próprio repertório de movimentos. “Ela tem dificuldade, por exemplo, de se mexer e falar, mas isso não vem à tona quando ela está trabalhando. Além disso, todo mundo tem certas limitações.”
Após a estreia, Menina dos meus olhos, a primeira peça profissional escrita e protagonizada por alguém com a trissomia no mundo, de acordo com a diretora, foi apresentada em Miami e, depois, na Unicef, até que, em 2016, ganhou o Brazilian International Press Awards na categoria Melhor Peça – Tathi também foi indicada como Melhor Atriz. “Nunca desisto dos meus sonhos. Sempre acredito e vou atrás”, afirma a atriz e autora sobre a conquista.
MENSAGEIRA
Foi essa força, que a acompanha desde a infância, a responsável para que Tathi enfrentasse episódios de preconceito durante sua vida, sobre os quais ela prefere não se estender – conta apenas que costuma ignorar quem a discrimina. Mas foram exatamente algumas dessas passagens – como pais e mães que puxavam seus filhos para longe – que levaram sua mãe, Patrícia Heiderich, e o pai, Fernando, a criar com um casal de amigos, em 1994, o Instituto MetaSocial, com sede no Rio de Janeiro. Foi essa instituição que, em 2003, criou o slogan “Ser diferente é normal”, transmitido em uma propaganda de TV que trazia uma menina com Down dançando. “Buscamos mostrar que quem tem a síndrome de Down merece as mesmas oportunidades que todo mundo”, diz Patrícia. “Minha filha respira independência, como eu poderia ir contra isso?”
Criada dessa maneira, estudando em escolas regulares e sendo tratada da mesma forma que os pais educaram suas duas irmãs, o interesse de Tathi se abriu para o mundo – “Para que ter proteção especial? Fala!”, diz. Além de atriz e autora de peça, ela atua como porta-voz da pessoa com trissomia 21 no instituto MetaSocial, passando sua mensagem em vídeos, em palestra na ONU ou virando personagem da Turma da Mônica (sim, ela é a Tati, lançada por Mauricio de Sousa em 2011). Multitarefa, Tathi também trabalha como influenciadora digital, algo que surgiu de maneira natural: “Eu tinha uma página no Instagram e, aí, fazendo academia, perdi quase 15 quilos. O número de seguidores cresceu e comecei a apostar nisso”, diz ela. Além do vaivém da balança, comum a tantas pessoas, ela teve a ideia de mostrar seu dia a dia e discutir questões que acha importantes para famílias que têm alguém com trissomia 21. Assim, criou um canal no YouTube, com seu nome.
Outro projeto que Tathi está tocando no momento é o Oi, Eu Estou Aqui, de intercâmbio. A ideia é que ela se hospede em casas de famílias com alguém com síndrome de Down e troque vivências. Com essas trocas, espera mostrar que essas pessoas podem morar sozinhas no futuro. No começo do ano, Tathi fez sua segunda experiência ao ficar por dez dias em uma casa em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Daqui a alguns meses, vai receber o anfitrião em sua casa, em Miami.
NINGUÉM É MELHOR DO QUE NINGUÉM
De acordo com Cezar Bueno de Lima, professor do programa de mestrado em direitos humanos e políticas públicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), os brasileiros, em geral, têm o preconceito enraizado de forma histórica. “A gente ainda precisa caminhar muito para entender que as diferenças fazem parte da sociedade, que são a essência dela, e aceitá-las”, afirma. O caminho para isso, segundo ele, é trabalhar a educação inclusiva e políticas públicas de combate à intolerância, a exemplo de alguns países europeus, o Japão e o Canadá.
“É uma questão urgente inserirmos as pessoas com trissomia 21 na sociedade”, afirma Zan Mustacchi, geneticista do Centro de Estudos e Pesquisas Clínicas de São Paulo e uma das maiores autoridades sobre o assunto no país. A melhora na expectativa de vida dessas pessoas, que até os anos 80 ficava entre 20 e 30 anos, hoje é de 60 a 70 anos (a do Brasil, é de 76), aumenta essa preocupação. Sem inclusão, não há trabalho e qualquer indivíduo se torna mais dependente em relação aos outros. “Todo mundo precisa de oportunidades, isso faz parte do conceito de cidadania”, afirma o médico.
A oportunidade do momento para Tathi, além de todos os seus projetos, é transformar a sua peça em filme. Seja no palco, no cinema, nas redes sociais ou ao vivo, o que ela mais quer é transmitir sua mensagem para todos. “Desejo que mais e mais pessoas vejam quem eu sou, de um jeito normal. Isso é um sonho meu. Mas também é um direito, não é?”
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Parabéns à Tathi! Que sua trajetória possa inspirar e motivar todos que lutam pela inclusão social.
Como sociedade devemos ter a responsabilidade e compromisso com a inclusão social. Só será possível evoluirmos socialmente a partir de uma postura ética de reconhecimento da diversidade humana e valorização das diferenças.
Nossos agradecimentos à equipe da revista Gol que autorizou a reprodução da matéria aqui no Educando Tudo Muda. Essa é uma publicação mensal, disponível aos que voam Gol.
Abraços à todos
Ana Lúcia Machado