Pesquisa inédita apresenta dados alarmantes sobre brinquedos de plástico e seu impacto na saúde infantil e no meio ambiente.
O plástico é uma das invenções revolucionárias do século XX. Em 1907, o belga Leo Baekeland criou o primeiro plástico totalmente sintético, dando início a Era dos plásticos feitos à base de petróleo, carvão e gás natural. De lá para cá, as empresas petroquímicas criaram inúmeros tipos de plásticos – poliéster, PVC, náilon, poliuretano, teflon, silicone, para as mais variadas utilidades e o resultado é que hoje se produz 265 milhões de toneladas de plástico por ano.
Já parou para pensar que quase tudo ao nosso redor é composto por plástico e o quão presente ele está na vida das crianças? Muitos utensílios infantis de uso diário são feitos desse material: mamadeiras, chupetas, copos, pratos e principalmente brinquedos.
Pesquisa inédita encomendada pelo Programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, e conduzida pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Química Verde, Sustentabilidade e Educação (GPQV), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), apresenta dados alarmantes que alertam sobre os brinquedos de plástico e seu impacto na saúde das crianças e do meio ambiente:
“Infância Plastificada: O impacto da publicidade infantil de brinquedos plásticos na saúde de crianças e no ambiente”
BRINQUEDOS DE PLÁSTICO – DANOS A SAÚDE INFANTIL E AO MEIO AMBIENTE
O mercado de brinquedos no Brasil tem movimentado anualmente cerca de R$ 10,5 bilhões, despejando regularmente novidades nas prateleiras das grandes redes varejistas, atraindo as crianças e levando-as a desejar com frequência um novo brinquedo.
Atualmente, 90% dos brinquedos fabricados no mundo são feitos de plástico. Entretanto nem todo tipo de plástico é adequado para a produção de brinquedos. Algumas substâncias são tóxicas para as crianças, como o ftalato , substância química que amolece o plástico PVC – o mais usado na fabricação dos brinquedos.
Um estudo apresentado na pesquisa analisou a composição de alguns brinquedos de plástico de baixo custo e identificou nas amostras alguns metais, tais como o cádmio, chumbo, cromo e até mesmo vestígios de tório – elemento radioativo. Essas substâncias contaminam o ar e podem ser inaladas, absorvidas pela pele e também ingeridas pela criança ao levar o brinquedo à boca, colocando em risco sua saúde, podendo causar asma, alergia, câncer, problemas hormonais, reprodutivos, de desenvolvimento.
O PLÁSTICO LIBERA SUBSTÂNCIAS TÓXICAS QUE SÃO ABSORVIDAS PELO ORGANISMO
A contaminação tóxica por brinquedos de plástico também pode acontecer acidentalmente por aspiração. Casos de objetos aspirados por crianças de 0 a 4 anos, levantados em uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em Otorrinolaringologia, mostraram que 91 % das ocorrências foram aspirações de pequenos artefatos de plástico.
BRINQUEDOS DE PLÁSTICO – NÚMEROS ALARMANTES
Estima-se que aproximadamente 1,38 milhão de toneladas de brinquedos de plástico serão produzidos até 2030 e que 582 mil toneladas de embalagens de brinquedos serão descartadas. Estes produtos, por conta da mistura de tipos de plásticos e a adição de outros materiais, como pigmentos e brilho, torna a reciclagem praticamente impossível.
Desta forma, o oceano é o destino dado a esse descarte na maioria das vezes, colocando o Brasil em 16º lugar num ranking de países que mais descartam resíduos plásticos no oceano.
Considerando que alguns plásticos podem demorar até 500 anos para decompor-se, talvez todos os brinquedos de plástico fabricados até hoje estejam ainda por aqui. Sabe-se também que ao fragmentar-se em microplásticos, esses resíduos contaminam a água, os alimentos, e também outros organismos vivos.
Na Alemanha, pesquisadores do Instituto Robert Koch e do Ministério do Meio Ambiente, investigaram a quantidade de subprodutos plásticos no organismo de 2.500 crianças e adolescentes de 3 a 17 anos, e identificaram em 97% das amostras de sangue e urina partículas de matérias plásticas.
De acordo com o estudo, essas partículas estão aparecendo cada vez mais no corpo humano. Entre elas, a mais preocupante é a do ácido perfluorooctanóico (PFOA), substância perigosa para o sistema reprodutivo e tóxica para o fígado, usada em panelas antiaderentes e em roupas impermeáveis.
A pesquisa traz também um dado da associação ambientalista Word Wilde Fund for Nature (WWF) que afirma que já estamos ingerindo aproximadamente 5 gramas de plástico por semana ao beber água e cerveja engarrafada, ao comer frutos do mar, e ao temperar a comida com sal.
A VULNERABILIDADE DAS CRIANÇAS
O consumo desenfreado do plástico é sem dúvida um dos grandes desafios da atualidade. Tudo isso nos leva a pensar na urgência do consumo consciente e da economia circular. Faz refletir sobre a vulnerabilidade das crianças e a nossa responsabilidade enquanto pais e educadores, afinal somos nós que apresentamos o mundo a elas e que podemos influenciar a formação de hábitos e valores de consumo sustentáveis.
Na maioria das vezes, nós adultos, nos sentimos impotentes frente à avidez das empresas fabricantes de brinquedos aliada às estratégias persuasivas dos especialistas da propaganda e do marketing. A publicidade tem um alvo bem específico: o lado emocional do ser humano. Os apelos das campanhas publicitárias atingem diretamente nossos corações. Se até nós somos fortemente seduzidos e sentimos dificuldades de colocar freio nos impulsos consumistas, imagine como uma criança, em sua vulnerabilidade, é impactada.
A exposição precoce das crianças à comunicação mercadológica via programas televisivos e internet é extremamente nociva à saúde mental dos pequenos, além de deseducadora. A criança não tem a capacidade crítica para distinguir conteúdos de apelos publicitários, tornando-se presa fácil do mercado de consumo. A mediação de adultos responsáveis pela criança é fundamental durante a etapa de desenvolvimento físico, cognitivo, psíquico, emocional e social infantil.
PARA PENSAR
Algumas perguntas são importantes para a busca de soluções dos problemas socioambientais que enfrentamos:
Com quantos brinquedos se faz uma infância feliz? É preciso brinquedo para brincar? Brinquedo precisa ser de plastico? O que é um bom brinquedo?
Sob o ponto de vista da imaginação e criatividade infantil, os brinquedos industrializados feitos de materiais sintéticos criam uma situação de passividade na criança, provocam uma atrofia psíquica, um certo “empreguiçamento” e empobrecimento da vida interior. Uma vez que esses brinquedos são desenvolvidos para funcionalidades específicas, entregam a ela um produto pronto, rígido, limitando a atuação da criança e na maioria das vezes fazendo dela mera expectadora ou executora.
Em termos de estímulos sensoriais, o plástico é um material extremamente limitado e pobre para o desenvolvimento infantil – sem cheiro; é frio e liso ao tato; é leve, possui tamanho desproporcional ao peso de cor forte e antinatural. O plástico é um imitador de realidades, como diz Gandhy Piorski em seu livro Brinquedos do chão, induzindo a criança a falsas sensações e distanciando-a dos processos de aprendizagens do mundo vivo.
UMA ESCOLHA SAUDÁVEL – BRINCANDO COM A NATUREZA
Sabemos o quanto o brincar é importante para uma infância saudável. Entretanto é preciso ressaltar que a potência da atividade lúdica se encontra na própria criança e não nos brinquedos. Precisamos apenas oportunizar a ela um ambiente que favoreça a brincadeira. E não existe ambiente mais positivo para isso do que a natureza. Nela encontramos os estímulos mais ricos e completos para o desenvolvimento integral da criança.
Brincar em espaços naturais coloca a criança diante do potencial lúdico da natureza e expõe os pequenos à riqueza e diversidade dos elementos naturais, descortinando infinitas possibilidades de brincadeiras e invenção dos próprios brinquedos com o que a natureza oferece – gravetos, sementes, folhas, etc. Brincando com a natureza a criança explora um campo fértil para o exercício da imaginação nutrindo sua vida anímica.
Podemos fazer escolhas simples em prol da saúde da criança, mas para isso é necessário atitudes firmes frente aos apelos de consumo da publicidade das empresas fabricantes de brinquedos. Se estivermos convictos dos efeitos negativos deste excesso de plástico na vida da criança e das consequências para o meio ambiente, tenho certeza que será mais fácil dizer não para o próximo brinquedo de plástico.
A saúde da criança e do meio ambiente dependem da nossa reconexão com a natureza em todos os âmbitos da vida e da ética do cuidado a todos os seres viventes.
Confira a pesquisa “Infância Plastificada: O impacto da publicidade infantil de brinquedos plásticos na saúde de crianças e no ambiente”.
Abraço caloroso e saúde
Ana Lúcia Machado