É tempo de brincar
Chamem as crianças nas casas
Conclamem a infância prás ruas
Pois é tempo de brincar
Diz o poeta
Quando as crianças brincam
E as ouço brincar
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar
Convoquem grandes e pequenos
Para a alegria contagiante
Das brincadeiras e cantigas de roda
Esconde-esconde, pega-pega
É tempo de brincar
É tempo de iluminar becos e praças
Com olhos de crianças curiosas
Com sorrisos de descobertas
É tempo de brincar
É tempo de comungar com a vida
Que pulsa incessante pelo meio fio
E fazer da infância um fio inteiro
Anunciem aos quatro ventos
Que criança é ser brincante
É ter pés descalços
Prá pisar no mundo da Lua
É ver tromba de elefante
Se transformar em roda gigante
Na imensidão do céu azul
Invadam as vilas, tragam as crianças
Libertem seus corpos brincantes
Do mundo quadrado, dos quartos fechados
Das telas, das celas de aula
Resgatem-as para serem protagonistas
Num palco de terra,
Num cenário verde, de flores
De aromas, cores e texturas reais
Devolvam à infância o gosto bom
Da aventura e da liberdade
De crescer solta
De mãos dadas com outras crianças
Antes que seja tarde
Antes que a última criança feneça
E não acredite mais
Que o mundo é bom, belo e verdadeiro
Sinto me profundamente tocada com o cenário atual da infância. As mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas alteraram a estrutura da vida familiar e a vida da criança. A crescente urbanização associada ao medo da violência, geraram isolamento e contribuíram para uma cultura de confinamento. Os hábitos de vida de hoje desfavorecem o convívio social, atividades físicas ao ar livre, a imaginação e autonomia da criança.
Estamos adoecendo a infância. Dados apresentados pelo psicólogo Peter Gray na 20ª Reunião Internacional da Associação Internacional do Brincar em 2017 – IPA, revelam que a depressão infantil já é de 7 a 10 vezes maior que nos anos 60, os transtornos de ansiedade entre as crianças cresceu até 18 vezes e as taxas de suicídios em crianças de até 15 anos, estão 4 vezes maiores. Ao mesmo tempo, o brincar livre das crianças vem diminuindo significativamente desde 1955.
Não é preciso muito esforço para correlacionar estes dados e concluir que trata-se de causa e efeito. Por esta razão é que fazemos este apelo: devolvam à infância o tempo e espaço de brincar livre.
Brincar é condição indispensável para que a criança se desenvolva de maneira saudável. Brincar é potência de crescimento humano, tanto quanto falar e andar.
Leia também: DEVOLVAM O TEMPO DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Educando Tudo Muda participou a semana passada do I Encontro Natureza e (des) Medicalização. Em pauta muitos temas que precisam ser debatidos pela sociedade, entre eles o aumento da medicalização infantil e de toda a sociedade, a necessidade de uma escola mais aberta e verde, uma cidade que acolha a criança, e uma comunidade responsável pela infância.
Apresentamos neste evento o projeto Playoutside – alegria de brincar na natureza, que tem como proposta realizar encontros de crianças e seus familiares em parques públicos, com o intuito de restabelecer o vínculo emocional das pessoas com o mundo natural para promover saúde e bem estar.
Como pais e educadores, temos a responsabilidade de desenvolver uma consciência que entenda a cultura da infância como uma etapa particular do processo de iniciação do humano, de forma a garantir a sobrevivência de nossa espécie.
Se você se inquieta com estas questões, compartilhe este texto e deixe seu comentário para que possamos refletir sobre mudanças que favoreçam a vida das crianças na cidade.
Fica aqui a continuidade do poema de Fernando Pessoa
E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.
Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no coração.
”
5-9-1933
Poesias. Fernando Pessoa.
Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). – 166
Abraço esperançoso
Ana Lúcia Machado