Aqui falo tudo o que você precisa saber sobre a relação criança e natureza respondendo 9 perguntas recorrentes feitas por mães, pais e educadores.
Ao longo da minha jornada com o Educando Tudo Muda defendendo o brincar com e na natureza, seja em contato com os pais nos encontros do Playoutside, seja nos cursos de formação de educadores, ou nos workshops do livro ‘A Turma da Floresta – uma brincadeira puxa outra’, tenho respondido muitas perguntas a cerca da relação da criança com o mundo natural e os benefícios que isto acarreta ao desenvolvimento infantil.
Reuni as perguntas mais frequentes neste artigo com o intuito de reforçar a importância de construirmos um reservatório de experiências vivas e reais na primeira infância, estimulando a apreciação e respeito pela natureza e todos os seres viventes, de forma a impregnar o corpo e alma da criança e garantir além do seu desenvolvimento saudável, atitudes pró ambientais na vida adulta.
Na natureza temos um dos estímulos mais ricos e completos que propiciam aprendizados sobre a matriz natural, e levam a criança a compreender sobre si mesma, o outro, seu meio e suas relações.
CRIANÇA E NATUREZA – TUDO O QUE VOCÊ PRECISA SABER
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9 perguntas sobre a relação criança e natureza
1.QUAL A IMPORTÂNCIA DE BRINCAR AO AR LIVRE, COM A NATUREZA?
Brincar em contato com a natureza é fundamental para o desenvolvimento integral infantil. A natureza em si potencializa o desenvolvimento nos âmbitos biopsicossocial e espiritual.
Ela é o espaço de pertencimento da criança, de suas raízes com a Terra. A partir da relação com o mundo natural, um mundo que exala aromas, floresce, frutifica, emite sons nativos, e tem sabores diversos, por meio do próprio corpo e sentidos, a criança apreende os princípios que regem a vida na Terra – seus ciclos de nascimento e morte, fluxos, processos dinâmicos, e aprende brincando, na linguagem da infância.
Além disso, essa relação promove o sentimento de ligação e interdependência entre os seres viventes. Daí advém a atitude ética do cuidado com o meio ambiente. Pouco podemos esperar de um adulto que não teve contato com a natureza na infância em termos de consciência de preservação ambiental, pois só cuidamos e amamos aquilo que conhecemos, com o qual temos algum vínculo de afeto.
2.QUAIS OS BENEFÍCIOS, PARA A SAÚDE FÍSICA E MENTAL DA CRIANÇA, DE BRINCAR NA NATUREZA?
O afastamento do mundo natural tem gerado problemas físicos e mentais e para compensar os efeitos negativos dos hábitos urbanos e da invasão tecnológica que tomou conta da vida de todos nós, inclusive das crianças, é preciso doses frequentes de natureza.
Sob o ponto de vista físico é importante ressaltar que os primeiros anos do ser humano correspondem ao ciclo do movimento. A criança tem atividade motora intensa e por este motivo necessita de experiências diárias de expansão e atividades corporais livres e espontâneas. Os verbos de ação desta etapa de desenvolvimento são: correr, pular, saltar, rolar, escorregar, girar, subir, descer, escalar, trepar, etc, e não os verbos assistir, teclar, sentar, escrever e ler.
As crianças precisam de espaços abertos, amplos, em terrenos irregulares e diversificados – de terra, grama, pedrinhas, que possuam elevações e declives, favorecendo assim diferentes estímulos sensoriais. Esses estímulos contribuem para a estruturação do sistema muscular infantil e seu desenvolvimento motor, gerando destreza corporal e domínio espacial. A musculatura dos pés e pernas são fortalecidas ao deixarmos a criança andar de pés descalços, promovendo desenvoltura no andar, correr e saltar.
A relação criança e natureza propicia um gasto maior de energia, o que auxilia na prevenção da obesidade, no alívio de tensões, e na qualidade do sono que está diretamente ligada ao crescimento infantil.
Ao ar livre, em exposição aos raios solares, prevenimos a deficiência de vitamina D, que além de importante para o desenvolvimento dos ossos, potencializa e regula o sistema imunológico.
Em ambientes naturais, a criança inevitavelmente será levada à alternância de foco – ora fixará o olhar naquilo que está próximo à ela, ora seu olhar estará direcionado para objetos ao longe, permitindo que os olhos sigam uma linha vertical, horizontal e de profundidade, impedindo o encurtamento dos músculos oculares, e consequente miopia.
Ao brincar em contato com a natureza, estamos prevenindo o surgimento de alergias e fortalecendo o sistema imunológico, uma vez que a criança fica exposta à uma série de bactérias e micro-organismos.
A natureza oferece momentos de liberdade e relaxamento. Isto impacta de maneira positiva o estado mental das crianças e reduz sintomas de estresse e ansiedade que hoje tem acometido a infância também.
Outro valioso benefício é o amadurecimento psicológico da criança. Brincando em ambientes naturais a criança fica exposta à situações imprevisíveis e desafiadoras. Isto possibilita importantes aprendizados, tais como saber correr riscos e medi-los. Entendendo que riscos são aqueles cujas consequências são baixas e aceitáveis, em comparação aos ganhos que propiciam às crianças. Tudo isso contribui para o bem-estar mental dos pequenos, promovendo equilíbrio interno, autonomia, e resiliência.
Brincar ao ar livre pressupõe interações presenciais, convívio social, desenvolvimento de relações humanas, formação de vínculos afetivos, que vão estruturando aos poucos a psique infantil, gerando autoconfiança.
Várias pesquisas relacionam as vivências na natureza com a diminuição dos sintomas de hiperatividade e déficit de atenção, como os trabalhos produzidos pelo Laboratório de Pesquisa de Humanos e Ambiente da Universidade de Illinois que descobriram que espaços ao ar livre estimulam brincadeiras criativas, melhoram a interação positiva com adultos, e melhoram o foco e a concentração das crianças.
3.QUAIS AS ATIVIDADES E BRINCADEIRAS QUE PAIS, MÃES E CUIDADORES PODEM PROPOR PARA AS CRIANÇAS BRINCAREM NA NATUREZA E COM A NATUREZA?
A OMS diz que, entre 1 e 4 anos de idade, é preciso se movimentar por pelo menos 3 horas ao dia – engatinhando andando, balançando, pulando, etc. Já entre 3 e 4 anos, das 3 horas de movimento, espera-se que 1 hora deva ser de atividades intensas, que façam transpirar e acelerar a frequência cardio-respiratória, como a brincadeira de pega-pega, esconde-esconde.
Toda criança é um pequeno cientista. Sendo assim, uma caminhada por um parque ou praça, propicia um mundo de brincadeiras naturais: observar formigas, lagartas, minhocas, musgos, líquens, diversos seres vivos fascinantes para a essência curiosa e exploratória da criança.
Acompanhar borboletas, subir em árvores, correr entre elas ou se esconder, colher folhas, flores, sementes, pegar pedras. Com esses achados e coletas de materiais orgânicos, galhos viram espadas ou varinhas de condão nas mãos das crianças. Folhas e flores ora podem ser decoração de um lindo bolo, ora adorno de uma coroa na cabeça. Construir brinquedos e composições artísticas com objetos da natureza, é algo muito divertido para as crianças.
O livro ‘A Turma da Floresta – uma brincadeira puxa outra’ é uma história inspiradora de conexão com a natureza e fala exatamente sobre o encantamento dessas brincadeiras e a mágica dos brinquedos naturais, que sem forma estruturada e função definida, permitem infinitas possibilidades, algo sempre diferente e novo. A história da Turma da Floresta é um exemplo de como a natureza tem o poder de instigar a capacidade imaginativa infantil e permitir às crianças inventar e criar brinquedos de acordo com o enredo de suas brincadeiras.
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Na contra mão dos brinquedos industrializados que ditam as regras das brincadeiras, brincar em contato com a natureza dá às crianças liberdade, possibilita o exercício da imaginação e estimula a criatividade entre elas, tornando-as protagonistas das brincadeiras.
Será pouco provável que na fase adulta uma pessoa se lembre dos brinquedos industrializados que ganhou. Mas sem dúvida, não se esquecerá da pipa colorida rasgando o céu azul, da força do vento na linha do carretel em suas mãos e do adulto cuidador ao seu lado ensinando as manobras necessárias para a pipa voar longe.
Quando pensamos em estimular o brincar da criança em contato com a natureza devemos partir do simples, do que está perto, acessível, do pequeno. Lembrar do que brincávamos na nossa infância e propor tais brincadeiras é sempre positivo, essas lembranças são carregadas de afetividade e criam um ambiente de muita energia.
4.QUAL FREQUÊNCIA RECOMENDADA PARA QUE AS CRIANÇAS TENHAM ESSE CONTATO?
A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que a criança brinque ao ar livre pelo menos meia hora ao dia.
5.EXISTE ALGUMA RESTRIÇÃO DE IDADE PARA OS PEQUENOS BRINCAREM NA NATUREZA?
Nenhuma. O que deve existir é o bom senso e os cuidados básicos. Em relação a um bebê, é aconselhável deitá-lo sobre uma toalha ou canga, usar um mosqueteiro, proteger do sol, oferecer líquidos para hidratação, etc.
6.EXISTE UMA RELAÇÃO ENTRE O CONTATO COM A NATUREZA E A ALIMENTAÇÃO DAS CRIANÇAS?
Uma está diretamente ligada à outra. Crianças que brincam mais tempo na natureza adquirem maior consciência sobre a alimentação. Este é resultado de um estudo de 2008 da Health Education Research.
A relação criança e natureza começa pela boca, por meio de uma alimentação saudável. Mudar alguns hábitos familiares pode fazer toda diferença como preparar as refeições junto com as crianças. Chame-as para ajudar a descascar, lavar, misturar, amassar e sentir o delicioso aroma dos temperos enquanto a comida está no fogo. A cozinha é lugar de encantamento, de memórias afetivas e de riqueza de estímulos sensoriais – as formas e texturas, as cores dos alimentos, os aromas e sabores.
Outra dica é substituir as idas ao supermercado com as crianças nos fins de semana pelas compras em feiras livres. Ali as crianças aprenderão de forma divertida, com a simpatia dos feirantes, os nomes das frutas e legumes e experimentarão alimentos que em casa recusam dizendo não gostar sem nunca ter provado.
7.QUAL A RECOMENDAÇÃO PARA PAIS E MÃES QUE NÃO TEM A OPORTUNIDADE DE CRIAR SEUS FILHOS EM LOCAIS CERCADO POR NATUREZA?
Quem não tem a oportunidade de morar próximo de lugares ricos em natureza, pode ter o cuidado de cultivar alguns vasos de plantas em casa, e atribuir a criança a responsabilidade de cuidar, regando, mexendo na terra. Pode cultivar temperos no beiral da janela da cozinha para usar na culinária.
Pode também prestar atenção nos trajetos que faz com a criança até a escola, e procurar onde há verde. Descer um ponto antes da escola e caminhar observando as árvores do caminho. O mesmo se estiver de carro, estacionar um quarteirão antes e caminhar com a criança até a escola atentos à natureza ao redor. E nos fins de semana priorizar passeios em parques, praças, ambientes naturais mais verdes, amplos.
Estar ao ar livre em contato com a natureza é uma experiência de liberdade. A amplitude do espaço num parque por exemplo, permite a visão do céu aberto, das altas copas das árvores. É a oportunidade de sentir-se livre. Tudo isso traz a vivência de expansão da alma e elevação do espírito.
8.COMO ESTIMULAR O CONTATO COM A NATUREZA EM UM MUNDO MEDIADO PELAS TECNOLOGIAS?
Um dos vilões que afetam a saúde da infância nos dias de hoje é o acesso precoce e abusivo dos dispositivos digitais pelas crianças. A transferência de responsabilidades em relação aos cuidados e atenção que a criança exige tem sido entregues pelos pais aos meios digitais. Crianças têm recebido cada vez mais a atenção de TVs, jogos, smartphones, tablets, etc.
A Dra. Julieta Jerusalinsky, psicanalista infantil, alerta sobre os perigos que ameaçam a criança pelo uso de forma inadvertida desses dispositivos, e ressalta a importância da qualidade da experiência interativa presencial nos anos iniciais de vida para a estruturação psíquica da criança.
Entre os perigos citados por ela estão: a ausência psíquica dos pais – de corpo presente mas ausentes psiquicamente em relação aos filhos; a linguagem fragmentada, fria e de isolamento produzida por esses aparelhos, que emitem sequências sonoras mas não estabelecem uma conversa com a criança; e a falta de mediação dos adultos em relação as informações acessadas pelas crianças via internet – informações descontextualizadas, desprovidas das experiências vivenciadas dos adultos, sem a transmissão de valores culturais.
Não se trata de negar os benefícios das inovações tecnológicas ou classificá-las como maléficas, mas de chamar a atenção para as influências e consequências desta revolução digital na vida dos pequenos em fase de formação, pois a predominância tecnológica na vida da criança, além do risco de ser viciante e causar dependência, interfere no convívio social, na qualidade dos relacionamentos e fortalecimento de vínculos afetivos, reduz os momentos de lazer da família, e rouba o tempo do brincar, do exercício da imaginação e criatividade da criança .
Aos pais cabe a responsabilidade de estabelecer limites seguros e coerentes de tempo de uso das telas pelas crianças e de também estimular e propiciar aos filhos momentos de brincadeiras ao ar livre.
9.QUAL PAPEL TEM A ESCOLA NA PROMOÇÃO DA RELAÇÃO CRIANÇA E NATUREZA?
A escola como elo entre a família, a cultura e a infância, tem a responsabilidade de ampliar o mundo da criança e oportunizar para ela o que está faltando na sociedade.
As escolas estão sendo desafiadas a romper com o velho modelo de sala de aula entre quatro paredes com carteiras enfileiradas, e despertar para o potencial educador da natureza, reconhecendo outros territórios educativos como ambientes de aprendizagem e brincar livre.
Hoje as crianças passam a maior parte do dia dentro das instituições educacionais, desta forma é tarefa da escola garantir espaços e atividades que promovam o equilíbrio emocional dos alunos.
Devemos nos conscientizar de que tanto a escola quanto a família desempenham um papel fundamental no estabelecimento e incentivo da conexão das novas gerações com a natureza, e este trabalho está ancorado na liberdade do viver natural e lúdico nos primeiros anos de vida da criança.
Então, o que estamos esperando para investir nesta relação tão saudável para a criança?
Se você tem uma pergunta sobre criança e natureza envie para ana@educandotudomuda.com.br Ficarei feliz em responder sua pergunta.
Abraço caloroso
Ana Lúcia Machado