O desrespeito ao processo natural das coisas sempre refletirá de forma negativa no desenvolvimento infantil. As etapas de desenvolvimento da criança não devem ser aceleradas. Por mais complicada que seja a vida de cada um, as crianças precisam de calma no dia a dia, precisam de atenção e da presença plena dos adultos a interagir com elas.
A infância é o período em que se aprende sobre todas as coisas essenciais da vida, é o solo sob o qual cada ser humano constrói sua existência, daí sua enorme importância. Os primeiros anos de vida devem ser vivenciados com calma e respeito à ordem natural do desenvolvimento biológico infantil, com a clareza do que realmente tem valor para o começo da vida.
Infelizmente não é assim que as coisas tem acontecido. A pressa e antecipação às etapas do desenvolvimento infantil tem sido a tônica da primeira infância, o que tem causado muitos problemas na vida das crianças, nos âmbitos biopsicossocial.
O desconhecimento por parte dos adultos de referência da criança sobre o que realmente importa neste período da vida, tem descortinado à elas um mundo extremamente artificial, desprovido de sua verdadeira essência, hostil à natureza lúdica deste ser recém chegado à Terra que precisa sentir confiança e a convicção de que o mundo é bom.
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Quero propor neste texto uma reflexão sobre a ordem natural das coisas na vida das crianças com o intuito de orientar pais e educadores e prevenir o estresse infantil. Devemos ter como ponto de partida o fortalecimento das relações de afeto no seio familiar para então ampliar o mundo da criança. Partir do simples, do natural, do que está perto, do pequeno, para aos poucos alcançar o maior, o distante, o abstrato.
PROCESSO NATURAL DAS COISAS
Você sabia que antes de calçar o bebê, colocar aquele tênis colorido em seus lindos pezinhos, a criança precisa sentir e conhecer o mundo pela sola dos pés?
Antes de ouvir Bach, Vivaldi, Mozart, ou quaisquer compositores de música, a criança precisa escutar a voz humana, as canções de ninar entoadas pela mãe, pai, avós. A voz humana propicia calma e confiança à criança.
Antes de ler histórias de belos livros ilustrados, a criança tem necessidade de ouvir os pais contarem suas memórias de infância – como brincavam, suas travessuras, etc. Além de contarem as histórias que ouviam de seus pais antes de irem para a cama quando meninos. Isto traz um sentimento de pertencimento, de raiz.
Antes de falar inglês ou qualquer outro idioma estrangeiro, a criança aprende a falar a língua materna ouvindo a voz doce da mãe e as conversas ao seu redor. A língua materna traz segurança, conforto e também sentimento de pertencimento.
Antes de colocar a criança no judô, capoeira ou balé, role com ela no tapete da sala, girem, escorreguem, corram na grama do parque , na areia da praia, no quintal, em movimentos livres e espontâneos. Dancem – crianças são excelentes dançarinas!
Antes de levá-la para comer fora de casa, leve-a para a cozinha e juntos façam uma refeição caseira, gostosa. Ela poderá te ajudar a descascar, lavar, misturar, amassar e poderá sentir o delicioso aroma dos temperos enquanto a comida está sendo preparada. A cozinha é o lugar de aprendizado da vida social. É um espaço de partilhas e trocas.
Antes de oferecer à criança a imagem pronta das telas, o brinquedo industrializado, permita que ela imagine, crie, construa suas brincadeiras, desenhe suas histórias. A capacidade imaginativa da criança vai se enfraquecendo aos poucos frente às telas, porque os filmes e desenhos sonham e fantasiam pela criança causando um empreguiçamento na alma infantil.
Antes de dar de presente um brinquedo eletrônico caro, compre umas varetas de bambu e algumas folhas coloridas de papel de seda e faça com ela uma pipa para empinar na rua de casa, ou no parque.
Antes de planejar uma viagem distante, programe pequenos passeios ao ar livre, pelo bairro, para conhecer parques e praças do entorno, apropriando-se dos espaços públicos, estimulando o espírito comunitário e o contato com a natureza.
Antes do movimento preciso e delicado das mãos para pegar no lápis e escrever, a criança precisa movimentar o corpo inteiro – pular num pé só, pular corda, amarelinha, virar cambalhota, subir em árvore. E precisa de você ao lado para incentivar, dizer que ela é capaz.
Precisamos entender que as brincadeiras são fundamentais nos processos de aprendizagem e aquisição de habilidades nos primeiros anos de vida. Nessa fase, a criança precisa se movimentar e ter diferentes experiências sensoriais.
Será pouco provável que na fase adulta uma pessoa se lembre do tablet que ganhou no Dia das Crianças, pois ao longo da vida ela irá adquirir e trocar de aparelho inúmeras vezes. Mas sem dúvida, não se esquecerá da pipa colorida rasgando o céu azul, da força do vento na linha do carretel em suas mãos e de você ao seu lado ensinando as manobras necessárias para a pipa voar longe.
Exercer a maternidade e paternidade com consciência, dando valor ao que realmente importa, fortalecerá a auto-estima das crianças. Somos os responsáveis por investir num reservatório de experiências ricas, vivas e reais no decorrer do desenvolvimento infantil para formar pessoas bem estruturadas e íntegras.
Para finalizar quero alertar para os perigos da antecipação da vida escolar das crianças. Segundo pesquisadores da Universidade de Harvard, a escolarização precoce tem aumentado o risco de diagnósticos de TDAH, depressão infantil e outras disfunções. Pesquisas recentes “mostraram que crianças americanas que estavam entre as mais jovens de sua série tinham muito mais probabilidade de serem diagnosticadas com TDAH do que as crianças mais velhas.”
Saiba mais: Diagnóstico de TDAH é frequente em crianças adiantadas na escola *
Prá que acelerar? Vamos respeitar o processo natural das coisas. A infância é curta demais para querer ter pressa e desrespeitar o tempo de ser criança, você não acha?
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Abraço caloroso
Ana Lúcia Machado
*Copyright © 2019, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.
Rita
Quanta delicadeza e verdade em suas palavras.
Seu texto me emocionou.
Um grande abraço.
Ana Lucia
Como me alegro com seu retorno! Te convido a espalhar esta semente de cuidado e valorização da infância compartilhando este artigo entre seu círculo de amigos. Grata pelo comentário. Abraço caloroso
Lilian Simone Costa
Olá,
Porque não publica seus textos como um livro.
Você tem a delicadeza e sutileza de Rubem Alves.
Parabéns.
Ana Lucia
Fiquei muito tocada com seu comentário. Primeiro porque dá força a um antigo desejo de reunir meus textos em uma publicação e depois porque sou grande admiradora do querido mestre Rubem Alves. Gratidão Lilian.
Ana María Drag
El texto tiene la grandeza de lo simple. Grandes verdades en palabras claras y comprensibles. Siempre apostando a cuidar el tesoro de la infancia.
Gracias Ana Lucia
Ana Lucia
Querida Ana, que bom ter você por aqui. Bebemos da mesma fonte e bem sabemos do valor e da potência da infância, não é mesmo? Seguimos lutando pelo direito de toda criança a um chão afetuoso, fértil e seguro para a construção da existência humana. Abraço carinhoso.