Este é um relato sobre o por que não alfabetizei meus filhos antes dos sete anos e as 6 consequências da alfabetização precoce.
Tenho dois filhos. O mais velho, entrou na universidade este ano e a caçula está às vésperas de começar o ensino médio. O que me confere o distanciamento necessário para uma avaliação consciente do resultado das opções que fizemos em relação à educação deles. Uma das opções, vou relatar aqui, por que não alfabetizei meus filhos antes dos sete anos, e apontar algumas das consequências da alfabetização precoce.
Quando o primogênito nasceu, caiu em minhas mãos um livro intitulado “Como ensinar os bebês a ler”. Como sou uma leitora contumaz, logo dei conta de conhecer o método de alfabetização de bebês proposto nessa publicação.
Confesso que fiquei chocada e ainda depois de tantos anos, me lembro da sensação desconfortante que essa leitura me causou. No final do livro, havia textos poéticos de crianças alfabetizadas em tenra idade pelo método. Eram poemas que denotavam tal densidade, tamanha angústia nas entrelinhas, uma visão cinzenta do mundo, que me assustou e me fez perceber quão nefasta é a alfabetização precoce na vida de uma criança.
E logo entendi a verdadeira linguagem da criança pequena, e a forma como ela apreende e aprende o mundo. Quando o meu olhar e do meu bebê se encontravam, e um sorriso iluminado se abria em seu rostinho, com sons e aquele balbuciar característico dos bebês, ficou claro para mim que o ser humano é um ser brincante e que seu desenvolvimento e aprendizado está fundamentado numa linguagem lúdica.
Lembro também da minha irmã caçula, mais nova que eu 17 anos. Ela foi uma criança tão brincante! Levava tão a sério seu ofício de brincar! Passava horas e horas concentrada, criando brincadeiras, construindo seus brinquedos. Quando chegou a hora de ir para o 1º ano escolar e ser alfabetizada, seu desejo por brincar ainda era tão gritante, que minha mãe, em sua sabedoria foi até a escola e pediu para a diretora deixá-la mais um ano na pré-escola. E assim foi que feliz da vida ela pôde amadurecer e se preparar para a alfabetização no ano seguinte, sem prejuízo algum à sua vida escolar.
Foi observando o quanto as crianças precisam correr, pular, rolar, rodar, rir, e o quanto elas são curiosas, ávidas a explorar tudo que as cercam, que tive a certeza de que para meus filhos se desenvolverem de forma natural e saudável, o melhor a fazer seria favorecer o brincar. E desta forma optei por uma pré-escola com foco no brincar livre na natureza. O início do processo de alfabetização de ambos, só ocorreu a partir dos 7 anos, quando eles estavam prontos e maduros para as atividades intelectuais.
A NATUREZA COMO ESCOLA DA VIDA
A natureza é uma grande mestra e criança aprende brincando. O brincar é uma atividade espontânea e nata em toda criança. O brincar ensina tudo o que os pequenos precisam aprender. Paulo Freire diz: “Primeiro a criança lê o mundo para depois ler as letras.” No contato com a natureza a criança aprende o que não pode ser ensinado nem pelos pais, nem por professores. A necessidade da criança de movimento é imensa e constante, isto a leva a conhecer e explorar o mundo que a cerca. As vivências e brincadeiras ao ar livre proporcionam inúmeras conquistas:
-Autonomia e segurança
-Conhecimento do próprio corpo,
-Habilidades motoras, destreza e equilíbrio corporal
-Florescimento da imaginação e fantasia
-Interesse e encantamento pelo mundo
-Vitalidade e saúde
Olhar uma criança brincando é reaprender a dimensão do humano. Quando brinca, a criança está inteira na brincadeira. Ela brinca com todo o seu ser.
Entretanto, o livre brincar está em declínio na sociedade contemporânea. Infelizmente a Educação Infantil está cada dia mais parecida com o Ensino Fundamental, por causa da ênfase na alfabetização. Atividades que requerem que a criança seja capaz de se sentar em uma mesa e completar uma tarefa usando lápis e papel, que antes estavam restritas às crianças de 5 e 6 anos de idade, são agora dirigidas às crianças ainda mais novas, que não têm habilidades motoras e não têm a capacidade de concentração para isso, com exigências de que devem concluir seus trabalhos e atividades, antes que possam ir brincar. O sistema escolar tradicional tem produzido crianças completamente desinteressadas pela escola.
As consequências da pressão escolar e alfabetização precoce são muito sérias e devemos estar atentos a elas:
1)Desvitalização do organismo,
2)Empobrecimento da capacidade imaginativa e criativa
3)Apatia, desinteresse pelo mundo
4) Dificuldades nos relações sociais
5) Agressividade
6)Stress infantil
Crianças que são tolhidas na sua necessidade de brincar terão dificuldades de decodificar o mundo. Stuart Brown, psiquiatra americano, pioneiro na pesquisa sobre o brincar, em seus estudos profundos sobre histórias de vida de assassinos e alcoólatras, descobriu a ausência do brincar na vida dessas pessoas. Seus anos de prática clínica comprovam que brincar bastante na infância gera adultos felizes e bem sucedidos e a capacidade de continuar nutrindo este ser brincante que somos, nos mantém joviais e saudáveis ao longo da vida. Brincar é vital.
Brincar, como disse Albert Einstein, é a forma mais plena de fazer ciência, de explorar e investigar as coisas.
Sei que remar contra a maré é mais difícil, mas neste caso vale a pena. Vale questionar o sistema, questionar a alfabetização precoce e defender o direito das crianças viverem a infância como deve ser, com respeito, em sua plenitude, encanto e beleza. Como tão bem versejou Fernando Pessoa,
Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar.
E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.
Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no coração.
Abraço
Ana Lúcia Machado