Sempre tenho vários livros na minha cabeceira. Degusto um pouquinho aqui, outro pouquinho ali. Nunca falta a poesia, ora Fernando Pessoa, ora Adélia Prado, entre outros. Passeio por romances, crônicas, etc. Acabo de ler “Minha vida de menina” de Helena Morley, pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant (1880-1970).
Tendo como pano de fundo o Brasil pós abolição da escravatura e proclamação da República, Helena narra seu dia-a-dia em sua cidade natal, Diamantina, entre 1893 e 1895. O livro foi publicado pela primeira vez em 1942. Através do diário da adolescente, tomamos conhecimento sobre os costumes da sociedade da época, a estrutura familiar e todo o universo que cerca essa garota, com seus conflitos, temores e sonhos.
Em 2004 o livro foi adaptado para o cinema e dirigido por Helena Solberg. Foi assim que descobri o livro. Fiz o inverso do que estou habituada a fazer: primeiro vi o filme. Gosto de criar as minhas próprias imagens para depois me expor às imagens construídas por terceiros. Mas isso não vem ao caso.
O que pretendo compartilhar e comentar aqui, é um trecho do livro que me chamou muito a atenção. Certa vez Helena sofreu uma queda de um cavalo e machucou o joelho, o que lhe obrigou a ficar em repouso, presa dentro de casa. Com relação a este episódio, ela tece o seguinte comentário: “Como é horrível ficar presa num rancho, sabendo que há tanta coisa boa para a gente fazer! Quando eu penso que podia estar no córrego pescando ou mesmo atrás das frutas do mato, dos ninhos de passarinho, armando arapuca e tudo…” Ela continua a se lamentar e diz que só voltará a se sentir feliz quando estiver novamente lá fora.
Passados aproximadamente 117 anos, quanta coisa mudou! Não poderia ser diferente. Mas constatar que hoje a realidade de nossas crianças é completamente oposta, causa-me espanto. Atualmente nossas crianças não sabem mais o que fazer do lado de fora. Não apenas as crianças que vivem nos grandes centros urbanos. E mesmo essas, em férias no campo ou na praia, não conseguem explorar todas as possibilidades que o mundo fora de casa pode proporcionar.
Apesar de morar em São Paulo, vivi minha infância num tempo que ainda era possível brincar na rua. Andávamos de bicicleta, brincávamos de pega-pega, esconde-esconde, duro ou mole, queimada, etc…tudo na rua.
A crescente violência aos poucos fez com que levantássemos muros, nos isolássemos. Com o tempo vários fatores modificaram os brinquedos e as brincadeiras infantis. Hoje uma criança que machuque uma perna, não se importará com isso tanto quanto Helena Morley. A criança de hoje lamentará na mesma proporção que Helena, se ferir seus olhos ou mãos.
Não se trata de saudosismo, quero apenas destacar a necessidade de equilíbrio entre o dentro e fora. Quero ressaltar também a importância da busca por uma vida mais integrada à natureza.
BRINCADEIRAS INFANTIS
A tela do pintor holandês Pieter Bruegel (1525-1569) intitulada “Brincadeiras Infantis”mostra muitas crianças brincando. Rubem Alves, poeta, filósofo brasileiro, diz que já enumerou 60 brincadeiras nesse quadro. A maioria das brincadeiras de Bruegel, são do lado de fora.
Que possamos nos inspirar e brincar mais!
Abraço ,
Ana Lúcia Machado