O que é um bom brinquedo para a criança? Na qualidade de mãe, pai ou educador, você já fez essa pergunta?
Sabia que o mercado brasileiro de brinquedos, na contramão da crise, registrou faturamento de R$ 10,5 bilhões em 2017 – representando um crescimento de 8,5% em relação a 2016? (Fonte: site Exame)
Na edição deste ano da Feira Internacional de Brinquedos, foram apresentados cerca de 1.500 lançamentos, entre brinquedos em geral, colecionáveis e educativos, jogos, pelúcias, artigos para festas, fantasias, etc. Somente em 2016, o mercado brasileiro contou com mais de 9.000 modelos de brinquedos.
Em comparação a outros mercados, o Brasil é um campo fértil para investimentos e crescimento. Na Europa as crianças são presenteadas com, aproximadamente, 30 brinquedos per capita no ano; nos EUA são 28 presentes, enquanto os brasileiros dão às crianças, apenas, 6 brinquedos por ano, levando em conta a média entre as aquelas que ganham e as que não. Dessa forma, somos um mercado promissor.
Considerando essas importantes informações, vê-se o quanto a criança é alvo de um mercado ávido pelo aumento das curvas de vendas.
E entre uma curva e outra, é nosso dever saber avaliar o que realmente é um bom brinquedo para as crianças.
Pare e pense nestas perguntas:
É preciso brinquedo prá brincar?
Existe brincadeira sem brinquedo?
O que as crianças buscam ao brincar?
Diante de um brinquedo devemos nos perguntar: este brinquedo é capaz de mover interiormente a criança?
BRINCAR – MOTOR QUE MOVE A CRIANÇA
É importante compreender o brincar como um motor que move a infância. Brincar brota da alma infantil. É um processo de ativação da criança. E como todo processo, é algo vivo, que se manifesta numa sucessão de etapas e se expressa em gestos e formas maleáveis, moldáveis, permitindo a criança criar, construir, desmanchar e transformar.
As crianças tem seus próprios interesses e narrativas pessoais, estão imbuídas de desejos que necessitam de liberdade de criação e expressão. Liberdade de decidir como brincar e com o que brincar.
A criança é o centro do brincar e não o brinquedo em si. A potência encontra-se na criança e não no objeto. Sendo assim, brinquedos e brincadeiras são partes de uma construção autoral, elaborada por meio de um processo espontâneo e autêntico de cada criança.
A indústria de brinquedos despeja no mercado todos os anos exatamente o oposto ao que acontece no processo do brincar infantil. Susan Linn, psicóloga norte-americana, autora do livro ‘Crianças do consumo: a infância roubada’, diz que “uma boa brincadeira é 90% a criança e 10% brinquedo”. Os brinquedos industrializados, os brinquedos prontos, oferecidos no mercado hoje, fazem exatamente o inverso, sobrepõem-se a potência da criança.
PARÂMETROS PARA AVALIAÇÃO DE UM BOM BRINQUEDO
Um bom brinquedo é aquele que permite que a criança seja ativa e não mera expectadora ou executora frente à ele.
Um bom brinquedo é aquele que propicia que a imaginação da criança voe alto, que coloca corpo e alma em movimento, que amplia as experiências sensoriais.
Um bom brinquedo é aquele que abre possibilidades de atuação da criança, seja em sua criação, construção, complementação, ou transformação.
Um bom brinquedo permite a criança sonhar e criar, imaginar e fazer. É inventado a partir do corpo e das mãos da própria criança.
A natureza da criança é curiosa. Criança gosta de investigar, explorar, descobrir, até mesmo transgredir.
Minha mãe conta que certa vez meu irmão, 2 anos mais novo que eu, ganhou um robô que se movimentava, acendia luzes e emitia sons. Não demorou muito para ela vê-lo sentado no chão martelando todo o brinquedo para descobrir o que tinha dentro dele que fazia com que ele se mexesse, fosse luminoso e emitisse sons. Faz parte da criança essa vontade de descobrir o que está por trás, dentro das coisas, saber como as coisas são feitas, como funcionam.
É comum ouvirmos histórias de crianças que ao ganhar um brinquedo novo se interessam mais pela caixa do que pelo brinquedo. Há também relatos de crianças que brincam 5 minutinhos com o brinquedo que acabaram de ganhar e logo perdem o interesse e correm para brincar com as panelas, colheres de pau, construir cabanas, etc. Por que isso acontece?
É preciso entender o ciclo do brincar. Brincar acontece em etapas, é processo, como já mencionado no artigo Processos de vida e a infância , leia.
No filme ‘Tarja Branca’, o documentarista David Reeks em seu depoimento, fala sobre a liberdade de criação da criança, e explica que primeiro a criança pensa em brincar com algo, ela deseja brincar de determinada forma. A partir dessa ideia, ela elabora maneiras possíveis de realizar a brincadeira, buscando reunir e compor materiais para alcançar seu objetivo. Então ela mesma constrói seu brinquedo e com o brinquedo pronto ela brinca, fechando assim o ciclo.
Rubem Alves em suas memórias de infância contadas no livro ‘Quando eu era menino’, fala que “fazer brinquedos era a parte mais divertida do brincar”.
O brinquedo pronto entregue nas mãos da criança, causa ruptura no ciclo do brincar, indo direto para a etapa final do processo. Reeks acrescenta que “a criança pega o brinquedo industrializado e logo se desinteressa por ele, e passa prá outro, ela não se vincula ao brinquedo porque não foi ativa no processo criador”.
É preciso entender que os brinquedos prontos eliminam o elemento de criação e construção, e isso não alimenta a alma da criança. É como se ela comesse apenas carboidratos simples, que são logo digeridos pelo organismo, provocando em pouco tempo fome de novo. Isso gera um vazio na criança, uma sensação constante de insatisfação, e até mesmo frustração, levando a criança a querer e pedir sempre mais.
O brinquedo torna-se um bom brinquedo quando nutri a alma da criança e exercita sua imaginação criadora.
LEIA TAMBÉM: UM BRINQUEDO CHAMADO NATUREZA
Quanto menos estruturado e cheio de detalhes for o brinquedo, mais exigirá da criança e permitirá o uso da imaginação e criatividade. Quanto mais simples ele for, maior a liberdade da criança em transformá-lo em outra coisa de acordo com o enredo da sua brincadeira.
Brinquedos industrializados tem função específica. Normalmente são de plástico, sem cheiro, frios e lisos ao tato. São leves – possuem tamanho desproporcional ao peso, de cores fortes e antinaturais. Características que induzem a criança a falsas sensações.
E mais, esse tipo de brinquedo, e aqui estão inclusos os brinquedos digitais, criam uma situação de passividade na criança, provocam uma atrofia psíquica, um empreguiçamento e empobrecimento da vida interior da criança.
Por fim, brinquedo bom é aquele que funciona e é movido pela energia da própria criança, por sua imaginação e capacidade criadora. É a força interior da criança que coloca em movimento objetos, que reúne materiais e compõem um todo repleto de sentido, produzindo alegria. Essa mesma energia movimenta também o corpo da criança promovendo seu desenvolvimento e gerando saúde.
Te convido a olhar seu entorno e perceber a quantidade de materiais do cotidiano que podem virar brinquedos nas mãos das crianças – caixas de papelão, rolhas, caixinhas de fósforos, etc.
Te convido a observar a natureza num passeio ao parque e descobrir o lúdico ao alcance das mãos – gravetos, sementes, folhas, pedrinhas, etc, que magicamente podem se transformar em brincadeiras divertidas.
Sugestões e inspirações de brinquedos e brincadeiras com os elementos naturais você encontra no ‘Livro do Educador brincando com a natureza’.
Vamos romper paradigmas, e repensar o consumismo na infância. Vamos olhar para o potencial lúdico da natureza e conectar a criança ao mundo natural.
Abraço caloroso
Ana Lúcia Machado
Lúcia
Que delícia de texto, Ana! Muito necessário aos dias atuais, em que as crianças, são levadas a não saberem ser crianças e os pais não sabem mais ser pais. Simplicidade pura!!
Ana Lucia
Querida Lúcia, seguimos na conscientização de famílias, educadores e toda sociedade, pelo resgate da simplicidade, das brincadeiras infantis que atravessaram gerações, e da reconexão com a natureza. É muito bom ter você aqui. Grata pelo apoio. abraço carinhoso
wandison jorge
importantes consideracoes de como as crianças veem e sentem o brinquedo de forma diferente e agem o seu pensar mediante as brincadeira rotineiras .
Ana Lucia
É uma temática necessária para despoluirmos o universo lúdico da criança. Uma contribuição para a desintoxicação desta via de desenvolvimento infantil que é o brincar. Obrigada pela participação nesta discussão. Abraço